Série ‘Maid’, da Netflix, revela a atriz promissora que é Margaret Qualley
Produção mostra a vida dif ícil de uma mãe pobre, que foge do namorado alcoólatra e violento
CRÍTICA
Você provavelmente conhece uma menina como Alex (Margaret Qualley). Elas estão por toda parte, em vários países do mundo. Com 20 e poucos anos, já tem um —ou vários— filho, não frequentou faculdade, se tem marido ou namorado não pode contar com ele para cuidar da criança e só consegue trabalho como faxineira.
No caso da protagonista da série “Maid”, da Netflix, baseada no romance autobiográfico “Maid: Hard Work, Low Pay and a Mother’s Will to Survive”, de Stephanie Land, fazer faxina é a saída que ela encontra após fugir com a filha do trailer em que morava com o namorado alcoólatra e violento.
Alex foi criada por uma mãe solteira que também fugiu com ela de um pai violento —interpretada por Andie Macdowell, mãe de Margaret Qualley na vida real. Com cabelos grisalhos e sem nenhum botox no rosto, Macdowell perdeu o ar aristocrático que tinha e faz com sua personagem Paula Langley uma interpretação diferente de tudo o que tinha feito até aqui. Paula é uma artista bipolar e riponga, que vive pulando de relacionamento para relacionamento, todos de alguma forma abusivos, mas que ela não enxerga, ou prefere não enxergar, como tais.
Ela é mais um problema na vida de Alex, que, por temperamento ou falta de opção, é uma menina séria e responsável, que faz tudo o que está ao seu alcance para garantir estabilidade e sensação de segurança para Maddy, sua filha de dois anos. Seu único alívio é o diário que escreve, em que faz comentários sobre as casas que frequenta, analisa as vidas de seus moradores e conta as histórias que, no dia a dia, não tem para quem contar.
A personagem usa roupas de segunda mão que pega no abrigo para vítimas de violência doméstica em que vai parar depois que foge do marido. Seu cabelo, despenteado, parece ter sido lavado com sabão, sem condicionador, e passa a maior parte do tempo largado ou preso em um coque improvisado.
Não fosse certa tendência para exagerar nas expressões faciais, dava para concluir que Margaret Qualley já é uma atriz melhor do que sua mãe foi. Mas ela é jovem, tem 26 anos. Tem tempo, portanto, para ajustar esses detalhes.
O Brasil não é nem mencionado na série. Mas é inevitável notar como a tragédia pessoal da protagonista, em vez de parecer uma sequência terrível de acontecimentos desafortunados, como de fato são, traz à luz a evidente disparidade de acesso a redes de apoio que uma mulher na situação dela tem nos Estados Unidos e aqui.
Ficar completamente sem dinheiro é assustador em qualquer lugar do mundo. Mas, na cidade fictícia em que se passa a história, no estado de Washington, a personagem vive seu drama pessoal em uma situação que pode parecer um privilégio, se comparada a histórias semelhantes de sobreviventes brasileiras do mesmo tipo de sofrimento. O abrigo em que ela passa algumas semanas tem um quarto limpo e arrumado para ela e sua filha. As roupas usadas estão em ótimo estado. Elas recebem três refeições por dia entregues em sua porta, numa bandeja. Maddy ganha brinquedos e frequenta a creche do abrigo, sem custo, enquanto Alex trabalha, ganhando por hora. É uma solução temporária, ela não pode ficar morando lá para sempre, mas não vai parar na rua nem precisa pedir dinheiro no farol.
Denise (BJ Harrison) a gerente do abrigo, uma mulher que também foi vítima de violência doméstica, acolhe quem chega ao lugar e ensina a essas mulheres que há um caminho das pedras —ela sabe como conseguir auxílios do governo para pagar por moradia, comida etc. Também ajuda a arrumar trabalho e ainda comanda um grupo de apoio, uma espécie de terapia. E esse caminho das pedras é exatamente o abismo que existe entre a sociedade americana e a brasileira. (Folha)
A personagem vive seu drama em uma situação que pode parecer privilégio, se comparada às histórias semelhantes de brasileiras