Estonteante, filme mostra que diretor se supera
ainda não estava nas telonas, e ainda havia muito a ser feito a partir da minha sensibilidade”, conta ao repórter o cineasta Villeneuve. Considerado um dos nomes mais autorais de Hollywood, Villeneuve, de 54 anos, já enfrentou muita responsabilidade em produções como “Blade Runner 2049”, de 2017, que imagina um futuro para o clássico de 1982.
E, se o medo mata a mente, nada melhor que uma carta branca dos produtores e US$ 165 milhões para trazer às telonas esse trabalho com o qual o diretor sonha desde os 14 anos. “O mais difícil foi agradar àquele adolescente tão arrogante e ambicioso que eu era”, conta o diretor, que espera contemplar desde os fanáticos até quem nunca ouviu falar da série.
Ambientado num futuro séculos à frente, “Duna” narra a saga de Paul Atreides, papel de Timothée Chalamet, príncipe de um feudo galático que passa a controlar o planetatítulo, disputado por causa da especiaria, a commodity mais valiosa do universo, só encontrada neste deserto habitado pelo povo nativo, os Fremen, e vermes colossais.
A alegoria desta saga que começou a ser escrita em 1965 fica mais simples se trocarmos Duna pelo Oriente Médio, e a especiaria pelo petróleo. Não à toa, esse é um livro que inspirou de “Star Wars” a animações japonesas.
“O livro de Herbert é um alerta sobre figuras messiânicas que usam a religião como uma ferramenta política”, conta o diretor. “Ele previu o crescimento do fanatismo e só ficou mais atual com o tempo. Fazer ‘Duna’ às vezes pareceu mais um documentário sobre a realidade e sobre o futuro do que uma ficção científica”.
Sequência à vista
Para se aprofundar nesse aspecto, porém, Villeneuve ainda tem de aguardar a aprovação da chefia para continuar a trama e mostrar as reviravoltas que essa primeira parte sugere. “É o maior filme que eu já fiz, mas é uma introdução”, constata.
O destino do segundo filme continua dependendo da crise sanitária e de seu efeito nas bilheterias internacionais —que já somam mais de US$ 100 milhões pelo lançamento em alguns países europeus, acompanhando a boa recepção no Festival
de Veneza— e o desempenho da estreia simultânea na HBO Max americana.
Sorte por sorte, a escolha de Chalamet para viver o “Lisan al Gaib” — uma das nomenclaturas proféticas do protagonista— teve lá seu lado fatídico. “O Timothée era o único que poderia fazer o personagem, era com quem eu sonhava. Ele é muito maduro, tem uma alma velha e, ao mesmo tempo, parece ter uns 14 anos na frente da câmera”, conta o diretor sobre seu escolhido, o badalado colírio de 25 anos que já foi indicado ao Oscar.
Outro rostinho pop do elenco é Zendaya —também aos 25, já dona de um Emmy de melhor atriz por “Euphoria”. Rebecca Ferguson, Jason Momoa, Josh Brolin, Javier Bardem, Dave Bautista e Chen Chang ainda completam a constelação do elenco. (Folha)
SERVIÇO
‘Duna’ Em cartaz nos cinemas. Dir.: Denis Villeneuve. Com: Timothée Chalamet, Rebecca Ferguson, Oscar Isaac. Canadá/hungria/reino Unido/eua, 2021. 14 anos.
Denis Villeneuve conseguiu de novo. O diretor canadense entrega um filme estonteante, deslumbrante mesmo, baseado na obraprima do americano Frank Herbert.
Escrito em 1965, “Duna” se tornou um clássico do gênero, ajudando a fundar o movimento da new wave, ou ficção científica “soft”.
A new wave se caracterizou pelo abandono da fé cega na ciência, descrições minuciosas de viagens estelares, detalhes de alienígenas et cetera. Havia ainda uma ambição literária maior e um dos pontos mais fortes dessa onda era a existência de uma figura messiânica.
No caso, esse messias parece ser Paul Atreides, em interpretação contida e impressionante de Timothée Chalamet. Ele é o herdeiro da Casa Atreides, num universo que mistura uma organização política medieval com uma tecnologia pouco exuberante.
Há naves espaciais, mas não computadores, proibidos pela religião interplanetária, ponto pouco explorado por Villeneuve. Humanos capazes de rapidez de cálculo digna das máquinas tomam o lugar delas. Esse medievalismo, com uma hierarquia rígida, facilita a compreensão da trama. Claro, “Duna” foi concebido como um blockbuster. A Casa Atreides é um exemplo de honra, obrigando o espectador a ver seus integrantes como os heróis.
O visual é fantástico. Villeneuve apresenta cenários e naves gigantescos e, também, minimalistas. A música, entre militar e fúnebre, é outro ponto alto.
Os mais velhos lembrarão que, em 1984, David Lynch havia se aventurado pela adaptação do livro. Aquele filme, que trazia Kyle Maclachlan como Paul Atreides e Sting como um dos vilões, contava a história toda em duas horas e 15 minutos. É médio e está na Netflix, para quem quiser. Frank Herbert escreveu cinco sequências de “Duna”. Ainda não há data programada para a estreia de “Duna 2”. (Folha)