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‘Naked Boys Singing!’ põe dez atores e até um pianista pelados no palco

Musical sobre o corpo masculino, que vai do cômico ao melodramát­ico, está em cartaz em teatro de São Paulo

- VITOR MORENO

A certa altura do espetáculo “Naked Boys Singing!”, em cartaz no Teatro Sérgio Cardoso, na Bela Vista (região central de São Paulo), um coral formado por dez homens nus transforma diversos sinônimos populares de pênis em uma sinfonia com ares clássicos. “Pinto, pau...”

Essa é só uma das abordagens — que vão do cômico ao melodramát­ico— relacionad­as ao órgão sexual masculino feitas durante o musical de Rodrigo Alfer.

A ideia de montar o espetáculo veio em 2019, após uma peça autoral de Alfer, que abordava a diversidad­e sexual com foco no público juvenil, não ser aprovada no PROAC (Programa de Ação Cultural do governo de SP). “Fiquei frustrado e resolvi fazer uma peça sem cenário, sem figurino, com todo mundo nu”, brinca.

Quando se deparou com o texto do americano Robert Schrock, percebeu que era exatamente o que buscava. Com uma série de esquetes sobre o corpo masculino e suas idiossincr­asias, a peça foi encenada pela primeira vez em 1998 em Los Angeles (EUA), mas fez sucesso no circuito Off-broadway, em Nova York, onde se tornou a segunda produção mais longeva em cartaz.

Por aqui, Alfer também pensou que colocar em primeiro plano a diversidad­e e encenar um texto com declarada simpatia à causa LGBTQIA+ era uma ótima resposta à onda conservado­ra pregada pelos apoiadores do presidente Jair Bolsonaro. “É uma peça sobre libertação.”

O texto começou a ser ensaiado em seguida, mas a pandemia adiou a estreia. Os atores só se encontrara­m por videoconfe­rência. Em setembro, voltaram aos ensaios presenciai­s, sem roupas, mas com máscaras —conforme a reportagem presenciou na semana passada.

Entre os personagen­s, há um diarista que trabalha nu, um judeu que relembra sua circuncisã­o e um ator pornô do interior que não quer ser reconhecid­o apenas pelo membro de proporções avantajada­s. Embora sejam tratados temas atemporais, como masturbaçã­o e ereção involuntár­ia, as letras ganham uma roupagem atual com expressões como “nudes”, “boy padrão” e “ganhar biscoito” e até uma citação à plataforma de conteúdos adultos Onlyfans.

Ao contrário do que se possa imaginar, não faltaram candidatos para estrelar o musical. Depois de circular o anúncio de que a peça seria realizada, mais de 500 atores se interessar­am. Para a seleção, Alfer diz que era fundamenta­l ficar à vontade com a nudez em público —além de saber cantar, dançar e atuar.

E não é para menos, já que durante os 15 atos da peça os atores ficam com os corpos bastante expostos. Mesmo quando há figurinos, os tecidos são transparen­tes.

“Foi mais fácil do que eu pensava”, afirma Victor Barreto, que está no elenco e divide seu tempo entre os ensaios e o trabalho como técnico judiciário. “Rola um constrangi­mento nos primeiros minutos, mas depois você esquece.” Tiago Prates também não teve problemas para se despir em cena, já que é praticante do naturismo. “Para mim, a nudez não é tabu.”

Mas não foi assim para todos. “Sou muito inseguro com o meu corpo, mas a nossa arte é maior do que isso”, diz João Hespanhole­to.

Durante a peça, até o pianista que acompanha as músicas entra na roda e toca as composiçõe­s sem roupa. “No começo foi um pouco assustador”, lembra Gabriel Fabbri. “Na música, a gente aprende a ter muito respeito pelo instrument­o e pela arte. Não pode tocar nem de chinelo! Eu estava bem travado no comecinho, mas foi uma questão de adaptação.”

Familiares na plateia

Outra questão, mesmo com quem não tem tanto problema com a nudez em cena, é com as famílias. Como vai ser quando seu pai e sua mãe vierem assistir à peça? “Vai ser estranho, não sei se vou olhar diretament­e nos olhos deles”, admite Silvano Vieira.

André Lau conta que a mãe, evangélica, já disse que não vai assistir à peça. Mas ele conta com o apoio do pai. “Ele é super desconstru­ído.”

Para Rodrigo Alfer, mesmo que o órgão sexual masculino já esteja mais exposto nos últimos anos, seja em filmes ou séries de streaming, ainda há muito tabu com relação à nudez do homem. “Até pouco tempo, é como se o homem não tivesse pênis”, afirma. “Isso é reflexo da nossa cultura judaico-cristã, mas tem uma nova geração que está rompendo com isso”, avalia. “O feminismo ajudou nisso, porque antes a mulher era colocada como objeto, mas o homem não podia ser colocado nesse lugar.”

SERVIÇO

‘Naked Boys Singing!’ No Teatro Sérgio Cardoso (r. Rui Barbosa, 153, Bela Vista). Sáb., às 19h, e dom., às 20h. R$40 (aceita meia-entrada). Vendas: na bilheteria ou no site www.sympla. com.br. 16 anos. Até 19/12.

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Caio Gallucci/divulgação Atores de ‘Naked Boys Singing!’, em cartaz no Teatro Sérgio Cardoso ; ‘Foi mais fácil do que eu pensava’, diz um dos artistas

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