Enfim, ao vivo
Macalé festaja 50 anos de carreira com primeiro DVD gravado no palco
Foram necessários mais de 50 anos de música para finalmente Jards Macalé, aos 72 anos, lançar seu primeiro registro ao vivo, que leva o nome do artista e sai em CD e DVD pela Som Livre. Gravado em Porto Alegre, no Theatro São Pedro, o show passa por diversos períodos da história do músico carioca.
“Escolhi um repertório que me permitisse me aproximar de uma geração que pouco conhece minhas canções mais antigas, principalmente as dos anos 60 e 70”, diz Macalé, que incluiu músicas marcantes daquelas décadas, como Farinha do Desprezo e Só Morto, ao lado de clássicos como Gotham City, Vapor Barato.
Para a gravação, Macalé convidou algumas pessoas que estão, de alguma forma, relacionadas à sua história: Zeca Baleiro, Thaís Gulin e Luiz Melodia. Baleiro já havia gravado um trecho de Vapor Barato em seu álbum de estreia, Por Onde Estará Stephen Fry?, de 1997. No DVD, Zeca faz um dueto com Macalé na mesma canção, acompanhada por uma outra de sua própria autoria, Flor da Pele.
AO VIVO “Thaís Gulin havia interpretado, no primeiro disco dela, a minha canção 78 Rotações, que a gente apresenta junto no DVD. E por Luiz, tenho uma enorme admiração, tanto que compus Negra Melodia para ele”, diz Macalé, referindo-se ao reggae composto com Waly Salomão (1943-2003) e gravado em 2005, com a participação de Melodia. No DVD, Macalé e o amigo reeditam o dueto, emendado por Farrapo Humano, canção de Melodia.
Macalé diz que o formato ao vivo nunca lhe atraiu, mas finalmente foi convencido pela cineasta gaúcha Rejane Zilles, sua esposa, a encarar a gravação. E o que era pra ser apenas DVD acabou virando também um CD, por vontade e sugestão do próprio músico, que canta acompanhado da banda Let's Play That, formada apenas por instrumentistas na casa dos 20 e poucos anos: Leandro Joaquim (trompete), Thiago Queiroz (flauta e saxofones), Victor Gottardi (guitarra), Ricardo Rito (teclados), Thomas Harres (bateria) e Pedro Dantas (baixo). Renato Piau, velho amigo de Macalé, reforça o time como violonista.
O próprio compositor também canta o tempo inteiro embalado pelo próprio violão, um de seus mais fiéis companheiros na hora de compor: “Uso bastante o piano também na hora de fazer minhas composições. Mas não interessa se componho com piano, violão, ou qualquer outro instrumento. O que importa mesmo é que com a música eu consigo me comunicar”.
A ligação da família de Macalé com a música vem de gerações passadas. Sua avó e seu pai eram mais ligados à música erudita e a mãe era ótima can- tora. Não demorou e ainda cedo estudou instrumentos na escola Pró-Arte, por onde passaram também Paulinho da Viola e Edu Lobo.
Foi alunos de mestres como Guerra-Peixe (1914-1993), com quem teve aulas de orquestração. Estudou ainda violoncelo e teve a sorte de ser aluno de um dos maiores violonistas brasileiros, Turíbio Santos. Em casa, adolescente ouvia de tudo: foxtrote, suingue, jazz, samba e rock'n'roll.
Sua formação deu origem a um músico e compositor diferenciado. Tão original que acabaram lhe imprimindo um rótulo de que Macalé se orgulhava, mas agora abomina: maldito. “Quando começaram a se referir a mim e a alguns colegas assim, achávamos interessante e eu gostava porque de alguma maneira me aproximava de grandes poetas malditos como Rimbaud (um dos maiores poeta simbolistas da história, francês, que morreu em 1891, aos 37 anos)”.
MALDIÇÃO Mas, para o músico, o termo acabou ganhando, com o tempo, um outro significado: “No começo, era bacana porque era para identificar aqueles que estavam fora do mercado fonográfico. Mas, quando veio uma geração de músicos dos anos 80, ser 'maldito' era considerado uma maldição e passou a ser sinal de exclusão. Aí, comecei a combater o termo. Imagina se Melodia e Sérgio Sampaio merecem ser chamados de 'malditos', que acabou se transformando em algo horroroso?!”, indigna-se.
Portanto, se não quer comprar uma briga, jamais o chame de maldito. E, se não quiser ouvir uns desaforos, jamais se refira a ele como 'artista'. Para Macalé, o adjetivo, visto por muitos como um elogio, é um acinte: “Não me chame de artista em hipótese nenhuma, pois não quero ser insultado. Qualquer um hoje é chamado de artista!”, esbraveja.
Mas, queira ou não, Macalé sempre foi posto pela mídia ao lado de outros malditos, como