Correio da Bahia

O dono do dinheiro

-

Em algum momento o país terá que discutir uma reformulaç­ão do FGTS, por isso a ideia de competição entre bancos para administra­r os mais de R$ 300 bilhões do trabalhado­r brasileiro pode ser lucrativo para o dono deste dinheiro. Hoje, os recursos são um Robin Hood às avessas: são do trabalhado­r, mas beneficiam empresário­s. O capital é remunerado abaixo da inflação e financia empresas a juros abaixo de mercado. Poupança forçada com poucas possibilid­ades de acesso pelo trabalhado­r existe também em outros países da região, mas os aperfeiçoa­mentos levaram os trabalhado­res a terem mais acesso ao dinheiro e, principalm­ente, a terem direito à portabilid­ade. Bancos credenciad­os, fiscalizad­os pelo Banco Central, disputam entre si o direito de administra­r esse dinheiro e, por isso, acabam pagando mais ao trabalhado­r. É fácil ser melhor do que o modelo atual. Hoje, o FGTS é remunerado por 3% de juros ao ano, mais a TR, que está em torno de 2%. Ou seja, é a pior aplicação do país e sua correção fica abaixo da inflação. Parte do principal é perdido a cada ano, mas o trabalhado­r não tem essa percepção de perda já que novos depósitos são feitos e há aumento do valor nominal dos recursos poupados. Mas a perda é enorme. No livro “História do Futuro”, registrei a comparação entre uma aplicação remunerada pelo CDI e a correção do FGTS entre agosto de 1994 e dezembro de 2012 e deu um resultado impression­ante. O CDI acumulou 2.682,57% enquanto no mesmo período a remuneraçã­o dos depósitos do Fundo foi de 373,64%. O movimento captado por este jornal de que alguns bancos começam a querer fatias do fundo pode não avançar agora, mas é do interesse do trabalhado­r e deveria ser discutido mais seriamente pelos que se apresentam como representa­ntes dos trabalhado­res no conselho do FGTS. Há quem diga que se houver outros administra­dores desses recursos haverá um descasamen­to entre os financiame­ntos a longo prazo concedidos com juros mais baixos e a remuneraçã­o do capital que é funding desses financiame­ntos. Mas se houver isso será um bom debate. O que a sociedade quer subsidiar e a que preço? A compra da casa popular pelas camadas mais pobres da população deve ser sim subsidiada, mas por que teria que ser com o dinheiro do trabalhado­r? Melhor é o incentivo ser dado pelo governo com recursos do Orçamento em que o custo ficasse claramente dimensiona­do. Atualmente seu uso serve para ser material para propaganda partidária, como se fosse uma benesse de um partido político e não uma decisão coletiva de direcionar recursos dos impostos gerais para permitir que os mais pobres tenham o direito à casa própria. Mais do que o financiame­nto de habitação popular, o FGTS tem sido usado para outras áreas, principalm­ente a partir da criação do FI-FGTS no governo Lula. Passou a ser fonte para os mais estranhos empréstimo­s. Por que usar esses recursos para comprar 100% da emissão das debêntures para viabilizar a celulose do grupo JBS? A família Batista aumentou seu patrimônio, e a operação rendeu propina para o então vice-presidente Fábio Cleto e seu grupo, no qual se inclui um réu condenado, Lúcio Bolonha Funaro, e o deputado réu da Lava-Jato Eduardo Cunha, segundo o Ministério Público. O que nós vimos recentemen­te com a Lava-Jato tornou ainda mais perverso o que já era injusto. Além de usar o dinheiro do trabalhado­r, ao qual ele tem restrição de acesso, para financiame­ntos duvidosos, ainda foi forma de captar propina. Em alguns casos, gerou perdas para o fundo, como no da Sete Brasil. Evidenteme­nte tudo isso precisa ser rediscutid­o para, aos poucos, se aperfeiçoa­r o tratamento desse dinheiro. Mas as mudanças que estão ocorrendo não fazem sentido algum. Recentemen­te, foi aprovado o uso da multa de 40% em casos de demissão, como garantia de consignado. Isso é estapafúrd­io porque está se contando com a eventualid­ade de o trabalhado­r ser demitido. Nem todos serão, e quem for precisará desse recursos exatamente pelo evento ocorrido. O que precisa ser discutido é como dar mais poderes ao detentor da conta de FGTS. A competição entre gestores pode ser um bom começo para este debate. A Caixa sem o monopólio terá mais razões para evitar o uso político desse dinheiro.

 ??  ?? miriamleit­ao@oglobo.com.br
miriamleit­ao@oglobo.com.br

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil