Uma rede de mídia no século XIX
Existiu no Brasil, em meados do século XIX, uma rede de mídia até hoje desconhecida dos historiadores e pesquisadores da imprensa brasileira, não obstante a sua importância do ponto de vista de estratégia política. Nenhum estudioso da história da mídia se deu conta da formação da referida rede que se deu nos bastidores, meio que na clandestinidade, demonstrando uma extraordinária capacidade de organização, e que envolveu vários estados, incluindo a Bahia, que contou com três periódicos. A Rede Argos, a denominação é minha, nasceu em 7 de setembro de 1850. Nessa data deveriam ser lançados e circular simultaneamente em várias cidades do país jornais com um mesmo perfil editorial, uma mesma unidade discursiva e o objetivo estratégico de se contrapor ao gabinete dos conservadores. Em particular, no referente aos privilégios dos comerciantes estrangeiros, portugueses e ingleses, que os liberais julgavam que asfixiava o empreendedorismo dos comerciantes nascidos no país. Também defendia a realização de uma Constituinte, mas sem prejuízo do regime monárquico. A data de estreia dos periódicos que formavam a rede encampava esses ideais nacionalistas e o Sete de Setembro era simbólico como representação da Independência do Brasil. Nem todos os jornais da Rede Argos circularam na data previamente estabelecida, em função de questões financeiras e outras dificuldades, porém, a maioria o fez e os outros foram surgindo na sequência, com intervalo de semanas, ou alguns meses. É surpreendente a formação da rede, considerando que, naquele tempo, o meio de comunicação mais ágil era a carta e uma correspondência entre o Rio de Janeiro e a Bahia, por exemplo, demorava em torno de 10 dias para chegar no destinatário, 20 dias para se ter a resposta. Teriam sido as lojas maçônicas as mentoras da rede? É uma possibilidade, dada a incrível capacidade de organização e a capacidade financeira demonstrada na execução desse projeto de mídia, alinhado com os ideais do partido liberal, então na oposição. Faziam parte da rede o Argos Alagoano, Argos Baiano, Argos Cachoeirano, Argos Cearense, Argos Maranhense, Argos Natalense, Argos Paraibano, Argos Pernambucano, Argos Piauiense e, mais tarde, o Argos da Província de Santa Catarina e o Argos Amazonense. Na Bahia, o Argos Baiano e o Argos Cachoeirano estrearam de fato em 7 de setembro de 1850, como previsto, o Argos Santamarense, por sua vez, estreou em 8 de dezembro do mesmo ano, um atraso que justificou como “dificuldades que impediram a nossa circulação há quatro meses”. Por uma estranha “coincidência”, o surgimento da Rede Argos ocorre no mesmo dia da reestreia, em Salvador, de O Guaycuru, de Domingos Guedes Cabral, um dos raros jornais assumidamente republicanos do país, que ficou dois anos sem circular após a prisão de seu proprietário por delito de opinião. Cabral, que era maçom, estava a par da movimentação da rede, tanto que saudou o Argos Baiano, não sem antes estabelecer uma linha divisória em torno da ideologia. Dizia apoiar a iniciativa do jornal liberal, em especial os ideais do nacionalismo do comércio, mas deixava claro que a sua bandeira era a derrubada da monarquia. A Rede Argos operava em sintonia, transcrevendo matérias uns dos outros, alguns, como o Argos Santamarense, já referido, ostentavam como epígrafe uma frase extraída de um editorial do Argos Baiano. Os jornais da marca eram contundentes na crítica ao governo, alguns extrapolavam na linguagem, como é o caso de jornal de Santo Amaro, que chamava o presidente da província de traficante de escravos e ladrão, com todas as letras. Um de seus colaboradores assíduos era o republicano convicto Domingos Faria Machado, que mais tarde fundaria O Apostolo de Cachoeira, jornal que pregava a deposição de D. Pedro II. O poeta, dramaturgo, músico e jornalista Faria Machado foi processado e preso por isso e, anos depois, foi assassinado por envenenamento. O fato é que liberais e republicanos estavam juntos nesse projeto, cada grupo preservando o seu ideário e se ajustando às idiossincrasias regionais.