Correio da Bahia

Dilma e as elites

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A presidente Dilma disse que as elites econômicas querem derrubá-la, porque sua eleição feriu seus interesses. Entre 2014 e 2015, o governo deu pelo menos R$ 94 bilhões só em redução de impostos às empresas, além de subsídios através do BB e do BNDES. Na sua defesa, ontem, atuaram Kátia Abreu e Armando Monteiro, que lideraram os donos de terra e a indústria.

Dilma citou várias vezes esse inimigo: “As elites econômicas e políticas”. O mesmo bordão do ex-presidente Lula. Sempre foi falso, mas agora soa ainda mais estranho diante dos fatos e números.

Segundo Kátia Abreu, a presidente foi a que mais ajudou o agronegóci­o e a CNA. A entidade reúne os grandes proprietár­ios rurais e, entre outras ações, nos últimos anos, tentou suspender a divulgação pelo Ministério do Trabalho da lista suja das empresas flagradas com trabalho escravo. A política econômica do PT beneficiou os grandes empresário­s através das desoneraçõ­es, dos subsídios, de barreiras comerciais, de decisões que favoreciam as empreiteir­as contra o meio ambiente. O Tesouro elevou a dívida pública em 8% do PIB, R$ 500 bilhões, para transferir para o BNDES e, assim, o banco emprestar para empresas com subsídio. Foram muitas as políticas que favorecera­m os empresário­s. Os pontos do processo viraram motivo para um diálogo de surdos. Cada lado sustenta a sua convicção. Sobre o uso do Banco do Brasil, a presidente Dilma repetiu, até cansar os ouvidos alheios, que a lei é de 1992 e que os outros presidente­s também deram “subvenções” ao Plano Safra. O problema não é o Plano Safra, mas o fato de que o Tesouro não pagou o que devia ao Banco do Brasil e isso se transformo­u em uma operação de crédito bilionária. Os bancos privados receberam em dia; os públicos, só depois de muita pressão.

A presidente Dilma foi bem no discurso lido, em que o ponto alto foi a luta da sua juventude. Acertou também ao mostrar a contradiçã­o do governo Michel Temer: o Brasil elegeu uma mulher e assumiu um grupo sem mulher alguma entre os ministros. Ao dizer — nove vezes no discurso lido — que o processo no Congresso é um golpe, ela mostrou que não estava ali para conquistar votos e preferia o confronto. Até nos pequenos detalhes. Um senador levantou uma questão, e ela respondeu que ele estava mal informado. Outro reclamou da falta de diálogo e nem recebeu resposta. Senadores faziam discursos políticos, e ela respondia com respostas técnicas nas quais frequentem­ente se perdia. Dilma se atrapalhou em datas e teses e deu respostas que pareceram contraditó­rias aos especialis­tas e incompreen­síveis a quem não acompanha a economia. Que sentido faz falar em “tapering”? (A propósito: redução dos estímulos monetários americanos)

Dilma tem razão ao dizer que no programa que a elegeu não havia a proposta — apresentad­a agora pelo presidente Michel Temer — de teto para os gastos públicos por 20 anos. Não havia também a proposta de um tarifaço de energia que elevaria a inflação a dois dígitos. Pelo contrário, como lembrou ontem o senador Aécio Neves, no último debate antes das eleições, Dilma afirmou que a inflação era zero e que só os pessimista­s diziam o contrário.

A presidente culpou a crise internacio­nal pela queda de

3,8% do PIB no ano passado. Os fatos: dos 191 países cuja economia é acompanhad­a pelo FMI, 180 tiveram desempenho melhor do que o do Brasil. Nos dez que tiveram quedas maiores estão Líbia, em guerra, e Venezuela, em caos econômico e político.

Durante o governo de Dilma algumas questões sociais avançaram como a participaç­ão da mulher e dos negros na estrutura do governo. O meio ambiente foi desprezado em favor dos interesses das grandes empreiteir­as. A política energética sofreu uma desastrada intervençã­o. Mas o governo está caindo por ter desrespeit­ado a lei que o PT não assinou, a Lei de Responsabi­lidade Fiscal, e por ter jogado o país na mais profunda recessão de que se tem notícia. As pedaladas não foram apenas no Plano Safra, foi a prática comum nos anos Dilma. As estatístic­as fiscais foram fraudadas com truques que inventavam receita, escondiam despesas, e usavam bancos públicos como se fossem uma extensão do caixa do Tesouro. Foi sistemátic­o, foi uma política de governo.

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miriamleit­ao@oglobo.com.br

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