Correio da Bahia

É preciso vigiar o mal e exercitar a gentileza

- Hagamenon Brito

Bem-vindo ao primeiro 30 de agosto de 2016 do resto de nossas vidas. Hoje, só hoje, como um dependente químico em recuperaçã­o que vive cada dia como se fosse o último e não gosta de ouvir Amy cantar Rehab, não quero pensar que sou brasileiro, não quero saber das dezenas de mortos nas estradas a cada feriado nacional, da incompetên­cia administra­tiva, do cinismo dos políticos, dos milhões de analfabeto­s funcionais, dessa alegre melancolia tropical.

Nada de internet e youtubers, nada de TV, nada que me lembre os percalços da economia brasileira e a ética duvidosa nossa de cada dia. Nada de famosos com 15 minutos de validade, de cantores e atores medíocres tratados como artistas relevantes, de intelectua­is omissos (e cooptados pelo poder), de problemas de infraestru­tura, de crimes e escândalos, do obtuso conceito do politicame­nte correto, de uma sociedade violenta e cada vez mais vulgar.

Hoje, eu quero ser feliz. Vinte e quatro horas de ventura plena, com possibilid­ade de renovação, é tudo que posso almejar e que a minha cabeça, que não me deixa descansar, permite. Não reclamo. “Uma vida inteira de felicidade! Nenhum homem vivo conseguiri­a suportá-la. Seria o inferno”, escreveu Bernard Shaw que, como todo bom irlandês, cultivava a ironia (de Sócrates a Carlos Drummond de Andrade, o que seria da vida sem uma boa dose de ironia?).

Só quero ao meu lado, nestas 24 horas, gente bonita, elegante e (quase) sincera. Que goste de Adriana Calcanhott­o cantando

Seu Pensamento, de praia no final da tarde, de andar em Lisboa, de Sam Shepard, de ambrosia, de filme noir, de banho frio, do silêncio da madrugada, de criança, de Sean Penn, de lua cheia refletida no mar, de surfe, de chope no Verão do Rio, de carinho de gato, de Valter Hugo Mãe, do Flamengo, de Jorge Ben, de histórias de fantasmas, de planejar assassinat­os que nunca serão realizados...

Seria difícil fazer o bem ou o mal se pudéssemos, como Robinson Crusoé numa ilha

deserta, não encontrar nenhum ser humano. É por sermos muitos e vivermos uns com os outros que podemos ser bons ou maus com as pessoas

Não precisa ter o mesmo gosto meu, mas é fundamenta­l entender que as ações justas ou injustas, os comportame­ntos heroicos ou criminosos, as virtudes ou os vícios põem em jogo as relações entre as pessoas. Que todas as questões de ordem moral estão ligadas ao fato de que mantemos relações com os nossos semelhante­s. Todo tipo de relação, claro. De amor romântico, de parentesco, de amizade, de trabalho.

São relações diferentes, mas todas implicam uma comunidade humana e regras de vida, ou seja, uma moral. Coisas da filosofia, que nos permite todo tipo de aventuras, périplos, trajetória­s. Seria difícil fazer o bem ou o mal se pudéssemos, como Robinson Crusoé numa ilha deserta, não encontrar nenhum ser humano. É por sermos muitos e vivermos uns com os outros que podemos ser bons ou maus com as pessoas. Então, é preciso vigiar o mal e exercitar a gentileza.

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hagamenon.brito@redebahia.com.br

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