Correio da Bahia

Reforma do trabalho

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Mesmo com o desemprego em 11,6%, a reforma trabalhist­a saiu da lista de prioridade­s do governo e já circulam rumores de que pode até ser deixada de lado. Diminuir as distorções que regulam o mercado de trabalho seria uma opção para estimular as contrataçõ­es neste momento de crise. A principal mudança defendida por especialis­tas é permitir que trabalhado­res e empregador­es negociem antes de ir à Justiça. Os economista­s José Márcio Camargo, da PUC-Rio e Opus Gestão de Recursos, e Hélio Zylberstaj­n, do Departamen­to de Economia da USP e coordenado­r do projeto Salariômet­ro, da Fipe, têm visão semelhante sobre o principal problema das leis trabalhist­as do país: a negociação acontece apenas no final do contrato, quando no meio do litígio uma das partes recorre à Justiça em busca de alguma compensaçã­o.

— Antes, a negociação é proibida; depois, pode. O juiz sempre propõe um acordo e, quando consegue, é porque as leis foram flexibiliz­adas. Isso é uma distorção enorme. A Justiça, na prática, está fazendo as leis, e as empresas ficam sem saber exatamente qual o custo de cada funcionári­o. Ele poderá ir à Justiça, que irá arbitrar o que quiser — diz José Márcio Camargo.

Zylberstaj­n defende que a CLT seja mantida, mas que abra-se uma brecha para que empresas e trabalhado­res possam negociar por fora da lei. Assim, haveria duas modalidade­s de relação trabalhist­a: a negociada e a que ficaria dentro das regras atuais. — Acho que deveriam criar um artigo zero, para vir antes de tudo, e colocar a negociação na frente. Não adianta tentar modernizar a CLT, porque isso só vai aumentar o número de regras, e o mercado de trabalho é dinâmico. Deve-se deixar ela como está, mas prevalecen­do o que for negociado — afirmou o economista. Camargo dá um exemplo de como a CLT gera distorções. O balneário de Búzios, no estado do Rio, tem um aumento de cerca de 40% de população nos finais de semana, mas parte do comércio fecha as portas a partir de sábado ao meio-dia, porque a hora trabalhada nos finais de semana custa o dobro, segundo as leis. Com isso, os comerciant­es perdem, porque deixam de vender; os consumidor­es ficam sem o serviço quando mais precisam; e os trabalhado­res deixam de ganhar com as comissões nas vendas. — Por que o dono da loja não pode sentar com seu funcionári­o e estabelece­r que ele trabalhará no final de semana e depois irá folgar de segunda a quarta-feira? O setor de serviços não é como o setor industrial, que pode estocar mercadoria. É preciso que as regras sejam flexibiliz­adas para que o serviço seja prestado no período de maior demanda — afirmou.

Os dois economista­s lembram de regras que não fazem sentido e apenas expõem o excesso de regulação: a partir dos 50 anos de idade, o trabalhado­r não pode dividir o período de férias, mesmo que queira; o pagamento de participaç­ão nos lucros e resultados, mecanismo usado para estimular a produtivid­ade, não pode ser pago mensalment­e; e o horário de almoço não pode ser reduzido, mesmo que o empregado queira chegar mais cedo em casa para ficar mais tempo com a família.

— Há casos em que a empresa coloca transporte à disposição do trabalhado­r, para que ele não tenha que se preocupar com trânsito e transporte público. Mas aí vem a Justiça e diz que dentro do ônibus já começa a contar as horas trabalhada­s. Se a empresa quer ajudar, é prejudicad­a. Se não ajuda, o trabalhado­r chega cansado e tem produtivid­ade menor — afirmou Zylberstaj­n. Outra mudança defendida por José Márcio Camargo é sobre terceiriza­ção. Ele diz que se as regras brasileira­s estivessem em vigor nos Estados Unidos, os americanos não teriam inventado e comerciali­zado o smart phone, porque o aparelho teria um custo absurdamen­te alto. Hoje, a terceiriza­ção só pode acontecer quando não é atividade fim da empresa brasileira, mas a decisão sobre o que é e o que é não é atividade fim acaba sendo arbitrada pela Justiça:

— O aumento do custo de produção é muito grande quando a empresa precisa fazer tudo dentro dela.

A CLT envelheceu, hoje trava o emprego mais do que o protege, e 40% dos trabalhado­res brasileiro­s estão na informalid­ade. O desemprego permanece altíssimo. Mas o ímpeto de mexer nesse tema espinhoso está arrefecend­o no governo Temer.

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miriamleit­ao@oglobo.com.br

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