Curso de requalificação
Nessas bandas, mesmo quem não quer, passa a vida vendo e ouvindo notícias sobre futebol - e quando as notícias saem de campo, geralmente são desanimadoras. Esta semana mesmo, teve essa história tresloucada de aumentar as vagas do Brasil na Copa Libertadores e a ideia mais desaprumada ainda, parida pelo próprio presidente da Fifa, de realizar a Copa do Mundo de 2026 com 48 seleções, com uma fase eliminatória após as eliminatórias - deu pra entender?
Há momentos, entretanto, em que surgem notícias que chamam atenção pelo inusitado e - por que não? - pela criatividade. Esses dias, o melhor fato extracampo veio da República Checa.
O goleiro Tomas Koubek e o meia Lukas Vacha, ambos da seleção checa, foram obrigados pela própria equipe em que jogam, o Sparta Praga, a treinar por alguns dias com o time feminino do clube, porque ofenderam de forma machista a bandeirinha Lucie Ratajova, após uma partida do campeonato nacional que terminou empatada por 3x3.
O empate da equipe adversária saiu já nos acréscimos do segundo tempo e o gol foi marcado com o jogador em posição de impedimento. Terminado o embate, Koubek teve a brilhante e contemporânea ideia de dizer que “mulheres deveriam ficar na cozinha, e não apitando um jogo de homens”. Já seu colega Vacha usou uma rede social para exibir a idiotice. No Twitter, publicou uma foto da bandeirinha com a legenda “para o fogão”. Depois de escancarar este tipo de pensamento imbecil que, infelizmente, ainda domina muitas mentes por aí, na República Checa ou em qualquer fila de banco e mesa de bar em Salvador, o arqueiro veio com a velha desculpa de que falou de cabeça quente, como se isso valesse para justificar sua estupidez.
“Um erro causou uma grande quantidade de emoções. Gostaria de pedir desculpas a todas as mulheres. Não sou machista, minha declaração foi dirigida a uma pessoa específica em uma situação específica. A propósito, eu amo minhas meninas, e quero que alcancemos algo que nos orgulhe”, escreveu Koubek numa rede social, expondo a própria família ao ridículo ao postar uma foto com a esposa e a filha.
Mesmo tomado por uma “grande quantidade de emoções”, alguém só abre a boca pra dizer algo assim, a essa altura do campeonato, se tiver esta concepção consolidada na cabeça. É esta consolidação que deve ser minada e combatida sempre que possível, inclusive no futebol, visto por muita gente como um universo paralelo em que pode tudo.
Para se ter uma ideia, o meia Lukas Vacha, há poucos meses, já havia publicado uma foto da bandeirinha brasileira Fernanda Colombo Uliana junto com uma imagem de outra mulher, parecida com Fernanda, de biquíni. Na legenda, escreveu: “E então os árbitros são ruins”.
Em alguns sites, vi a palavra “punição” para tratar do período que os dois jogadores vão treinar com o time feminino. Vejo mais como uns dias de requalificação. Talvez, entre as mulheres, Koubek e Vacha absorvam alguma coisa que deixaram escapar ao longo da vida. Talvez descubram algo sobre oportunidades desiguais, abusos, assédio e outras barreiras que ainda cercam as mulheres.
Mas, infelizmente, é provável que isso não passe do talvez.
Vi a palavra ‘punição’ para
tratar do período que os dois jogadores vão treinar com o time feminino. Vejo como dias de requalificação
ATRASO
“Sou contra o rebaixamento dos grandes. O Inter é campeão mundial. Deveria haver uma proteção especial, um ranking que protegesse os maiores clubes”. Tal afirmação foi feita pelo presidente do Vitória, Raimundo Viana, em entrevista para o jornal gaúcho Zero Hora, antes da partida contra o Grêmio. O elitismo contido nessas palavras demonstra bem a forma de pensar do mandatário rubro-negro, um dos responsáveis pela não implantação das eleições diretas no Vitória. Ecos do passado.