Utinga: a cidade dos pais responsáveis
Parece enredo de filme: em vida, a mãe de Gabriel*, 11 anos, nunca contou quem era o pai do garoto. Depois de muita insistência - inclusive, do colorista Paulo César Portugal, 37, que achava que o menino pudesse ser seu filho - ela aceitou fazer um teste de DNA em fevereiro de 2011. A família acha que ela escondia porque os dois só tinham ficado. Foram, então, à sede do Núcleo de Promoção de Paternidade Responsável do Ministério Público do Estado (MP-BA), em Nazaré.
Gabriel estava junto, mas não tinha muita noção do que acontecia. No dia de abrir o exame, ela não foi. Já estava doente: era câncer. Morreu pouco depois. Os anos passaram e Gabriel foi morar com a tia e a avó, no Tororó. “Um dia, no ano passado, a gente veio no (mercado) Bompreço (em frente ao núcleo) e, quando ele viu o Nupar, disse: ‘Tia, eu já vim aqui uma vez com minha mãe e tiraram meu sangue”, conta a tia dele, Mônica*. Ela suspeitava de Paulo César, mas sua irmã também nunca tinha dito nada. Escondido da mãe, avó do menino, decidiu buscar o exame. Quase cinco anos depois, Gabriel ganhou um pai. Mas ele ainda não sabia: por mais que acreditasse que o sobrinho ficaria feliz, Mônica achou que era melhor ter certeza, esperar o resultado e conversar com calma. Já Paulo César, pai de outros oito filhos, não escondia a felicidade com a chegada do nono. Era uma vez uma cidade onde as pessoas não se casavam. Não é que não existissem casais, mas eles não oficializavam a união. Mas o jogo virou e a “culpa” foi de um padre italiano que chegou à cidade de Utinga, no Centro-Sul baiano, em 2004. “O padre falou, numa missa, que era uma coisa que incomodava e surpreendia, porque ele não celebrava casamentos”, contou o prefeito da cidade, Alberto Muniz (PSD). Foi o estopim. Católico, o prefeito resolveu incentivar os casórios e criou um bairro para os recém-casados de qualquer religião, chamado Morada das Noivas – uma espécie de programa habitacional em que os beneficiários eram novos casais. Não se sabe se foi essa a solução do problema. Mas, em 2014, dez anos depois da queixa do padre Gabriel, Utinga tornou-se a cidade baiana com a maior taxa de natalidade do ano: 49,13 nascimentos para cada 100 mil habitantes homens.
Mais que isso: foi a cidade onde os baianos mais se declararam pais – ou seja, reconheceram e registraram os pequenos. Em 2014, a população de 19.490 ganhou mais 439 novos residentes. E nem dá para dizer que essa é a faixa de nascidos vivos em cidades com a mesma quantidade de moradores: a maioria das cidades baianas com população entre 19 mil e 20 mil habitantes teve a metade do número de crianças nascidas no período. Neste ranking, a capital, Salvador, ocupa apenas a 98ª posição.
“É meio difícil traçar um indicador (da razão do número de nascimentos), mas se observarmos um parâmetro, pode ser a qualidade de vida”, aposta a secretária municipal de Assistência Social de Utinga, Stela Damasceno. Ela explica que, desde 2013, existe uma lei na cidade que determina benefícios para mães em vulnerabilidade social - entre esses benefícios está um auxílio natalidade.
Outra iniciativa de Utinga foi contratar um advogado só para cuidar dos casos em que havia problemas com o reco- nhecimento da paternidade. O serviço funciona desde 2014. “Busquei apoio em Salvador e consegui instalar na cidade uma unidade da Defensoria que deu algum avanço nessa questão”, conta o prefeito.
Para ele, a presença de um advogado cuidando, exclusivamente, das questões de paternidade responsável ajudou a mudar o quadro. “Quando começou, ele dizia que não ia aguentar, que ia sair, que a gente precisava de um reforço porque era muita coisa. Hoje, ele já consegue dar conta sozinho”, completa Muniz.
“É importante reconhecer a paternidade porque é um ser humano que você está colocando no mundo, além de ser uma dádiva de Deus se tornar pai”, afirmou o comerciante Leomi Araújo Alves, 30 anos, pai da pequena Ana Cecília, 3.