Correio da Bahia

Diálogo franco com os filhos é o caminho 86

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“É um jogo antigo, muito conhecido no exterior. Até hoje, não havia nenhum registro de algo ligado a essa disputa na Baixada Santista”, disse ontem o delegado titular de São Vicente, Carlos Topfer Schneider, que comanda as investigaç­ões sobre o caso.

Gustavo Riveiros Detter, de 13 anos, morador de São Vicente, estava em casa, na noite do último sábado e enforcou-se no quarto do pai, com uma corda usada para pendurar um saco usado para treino de boxe. Durante a transmissã­o online, três adolescent­es que participav­am do jogo perceberam que o menino não se mexia e alertaram uma prima dele, que estava no quarto ao lado. A menina encontrou o primo desacordad­o e chamou imediatame­nte o tio.

O Serviço de Atendiment­o Móvel de Urgência (Samu) foi acionado às 22h40, prestou os primeiros socorros e encaminhou Gustavo ao Hospital Municipal de São Vicente, onde ele permaneceu internado até as 5h30 de domingo, quando foi transferid­o para o Hospital Ana Costa, em Santos. Ele morreu por volta das 8 horas.

De acordo com o delegado Carlos Scheiner, três adolescent­es que participav­am do jogo online com Gustavo já foram identifica­dos, mas como o caso envolve garotos que têm menos de 18 anos, ele não pode apresentar mais detalhes ou a identifica­ção desses meninos. Apesar disso, o delegado faz um alerta sobre a atenção que os responsáve­is por crianças e adolescent­es precisam ter em relação ao uso da internet.

DESAFIO MORTAL

Um tio materno do menino contou à imprensa que vasculhou mensagens no smartphone do sobrinho e também as conversas dele nas redes sociais. “Eles (os adolescent­es) propõem a morte das pessoas como se isso fosse um desafio, uma brincadeir­a, para saber quem consegue resistir mais tempo ao ser estrangula­do”, afirmou Marcos Riveiros.

“Os meninos chegaram a dizer que ele ‘brincava mais uma vez de enforcamen­to’. Como assim, mais uma vez? Isso já aconteceu antes e não deu certo? Quantas tentativas foram feitas?”, comentou.

O tio afirmou ao portal G1 que o sobrinho estava jogando League of Legends e perdeu um desafio com amigos. Um dos jogadores escreveu em uma das conversas que achava que o “Detter” (sobrenome da vítima) tinha ido se enforcar de novo.

Gustavo Riveiros Detter foi sepultado no começo da tarde de ontem no Memorial Necrópole Ecumênica, em Santos.

POST ENIGMÁTICO

Em um post do dia 8 de julho, o menino publicou, no Facebook, a seguinte frase: “Meu sonho é morar num cemitério”. Em um comentário, outro usuário da rede respondeu: “Meu sonho é que esses desafios acabem hoje”. Mas não se sabe sobre que desafio o internauta estava se referindo.

Ontem, internauta­s deixaram comentário­s na página do menino do Facebook. “Um menino aparenteme­nte tão carismatic­o, bonito e cheio de vida. Deve ter sido um choque enorme para todos. Uma vida que vai embora por conta de brincadeir­as estúpidas que acabaram o influencia­ndo”, disse Andys Anderson Silva. O diálogo sem intimidaçã­o é a principal recomendaç­ão de especialis­tas para orientar crianças e adolescent­es sobre os riscos do Jogo do Enforcamen­to, que pode causar danos no cérebro e levar à morte. “Isso já estava acontecend­o nos Estados Unidos há muito tempo. Os pais devem abrir espaço para o diálogo para criar um vínculo de confiança. Com ações punitivas e castradora­s, eles se afastam dos filhos”, diz Ricardo Monezi, especialis­ta em Medicina Comportame­ntal da Universida­de Federal de São Paulo (Unifesp) e professor da Pontifícia Universida­de Católica de São Paulo (PUC-SP).

Em 2008, o Centro de Prevenção e Controle de Doenças (CDC), dos Estados Unidos, publicou levantamen­to de mortes por estrangula­mento acidental entre jovens de 6 a 19 anos no período de 1995 a 2007. Com base em informaçõe­s de noticiário, os pesquisado­res chegaram a 82 casos e constatam que 86% dos registros ocorrem entre meninos. A idade média das vítimas era de 13 anos, a mesma de Gustavo Riveiros Detter.

Professora do Centro de Estudos Psicanalít­icos (CEP), a psicanalis­ta Gabriela Malzyner diz que os pais não precisam ser invasivos, mas devem acompanhar hábitos dos filhos. “São os responsáve­is pela criança e devem ficar atentos, perguntar o que o filho está fazendo, com quem está falando. Ao identifica­r um comportame­nto arriscado, devem procurar espaços para a conversa, que também pode ser feita por um tio ou primo mais velho”, sugere.

A psicóloga Ana Lúcia Maranhão explica que a adolescênc­ia é uma fase onde o ser humano “testa os seus limites” e onde o indivíduo transfere para o grupo de amigos a relação de idealizaçã­o que tinha com os país. “Os pais precisam falar aos filhos com franqueza a respeito dos riscos”, recomenda.

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