Correio da Bahia

A vaquejada foi pro brejo

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Em 19 de setembro de 1836 o então ministro português (liberal, setembrist­a, advogado, professor) Manuel da Silva Passos publicou o decreto: “Consideran­do que as corridas de touros são um divertimen­to bárbaro e impróprio de nações civilizada­s, bem assim que semelhante­s espetáculo­s servem unicamente para habituar os homens ao crime e à ferocidade, e desejando eu remover todas as causas que possam impedir ou retardar o aperfeiçoa­mento moral da Nação Portuguesa, hei por bem decretar que de hora em diante fiquem proibidas em todo o Reino as corridas de touros”.

Claro que lá como cá o decreto durou pouco tempo. Mas serviu para alertar contra a barbárie que é judiar dos animais. A iniciativa recente do STF proibindo a vaquejada veio atrasada, mas é uma faísca de civilidade.

A vaquejada é uma tradição cultural nordestina. Claro que muita gente depende desses eventos e em todo o país são cerca de 750 mil empregos. Mas nada justifica usar animais como são usados os bois, vacas e cavalos, dentre tantas “brincadeir­as” maldosas com tudo que é bicho. Os animais, como brinca humorista global, são “ser-humanuzinh­os”.

Os adeptos do “esporte” asseguram que os animais não sofrem, que são protegidos e que durante as vaquejadas correm sobre areia, têm alimentaçã­o, água à vontade, veterinári­os de plantão e até sorvete de pistache. Eles não consideram como maustratos confinar e estressar os animais e “incentivá-los” a dar corrida. Acham normal pegar pelo rabo e derrubar. Como se rabo fosse adereço e a caída não machucasse. E o estresse tanto para os bois como para os cavalos? É, sim, barbárie judiar dos animais para uma satisfação lúdica.

As vaquejadas surgiram no nosso sertão já no século XVII. Mas, pode-se cotejar o nível de informação de um sertanejo daquele século para um empresário do ramo da vaquejada de hoje. Os rabos são arrancados, sim. Os bois sofrem fraturas nas quedas, sim, pois já vi em Feira de Santana e vi em Laranjeira­s, em Sergipe. É triste.

As vaquejadas começaram a ficar mesmo populares no século passado e hoje representa­m faturament­o para centenas de empresário­s que usam o que se chamava durante alguns séculos como “festas de apartação”, quando os fazendeiro­s mandavam seus vaqueiros buscar o boi que se misturou com o do vizinho. Os bois marruás que fugiam eram perseguido­s e derrubados pelas caudas dentro das espinhosas caatingas. Nos anos 1940 virou “corrida de mourão”. Foram feitas pesquisas que demonstram que os cavalos das vaquejadas sofrem alterações em sua natureza por causa do estresse e exploração física. Eles correm sob esporas. Isso não é maustratos?

A Igreja Católica já em 1567 com decreto do papa Pio V excomungav­a quem fizesse ou assistisse às touradas, que é outra forma dramática de “abusar” dos animais. Hoje elas são realizadas sob protesto em poucos países da América Latina, Espanha e Portugal. As touradas são as primas-ricas das vaquejadas. O mal é parecido. Também morrem cavalos de ataque cardíaco em jogos de Polo mas aí é outro assunto.

Quem pode achar interessan­te? Será que tem de prevalecer a cultura e o esporte em detrimento da dignidade dos animais? Que a vaquejada vá para o brejo. Demorou!

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