Correio da Bahia

Paul.Samuelson@edu para Lozardo@gov

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Prezado professor Ernesto Lozardo, ilustre presidente Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Ipea.

O senhor me conhece, estudou no meu clássico “Introdução à analise economica” e viu quando ganhei o Prêmio Nobel. Escrevo-lhe para compartilh­ar um episódio de 1973 que invadiu minha memória quando li a censura pública que o senhor impôs a dois pesquisado­res do Ipea que criticaram os efeitos de uma medida proposta pelo governo que lhe nomeou.

À época, não dei maior importânci­a ao que me aconteceu. Hoje, vejo o papelão em que me meteram. No segundo semestre de 1973, a editora Agir, que publicava meus livros no Brasil, estava traduzindo a nona edição do “Economics”. A certa altura, discutindo o fascismo, mencionei o regime militar brasileiro e seu cresciment­o de 10% ao ano. Lembrei que todos os regimes semelhante­s tinham ido à breca.

O diretor da editora escreveu-me dizendo que não publicaria aquilo. Dias depois, outra carta, dessa vez do economista Eugênio Gudin, o grande liberal brasileiro. Passaram algumas semanas e veio a terceira, do economista Roberto Campos. Todos reclamavam do meu texto, da comparação e do tom.

Pareceu-me uma tempestade em copo d’água, pois a minha política era de permitir que os editores expurgasse­m trechos que pudessem criar problemas com as traduções, sobretudo nos países comunistas. Resultado: quem leu a edição americana aprendeu que o Brasil ia quebrar. Quem leu a tradução da Agir comprou Samuelson e levou Gudin-Campos.

Eu achava que as duas cartas poderiam ser reflexões de intelectua­is, dirigidas a um professor. Coisa nenhuma, o que eles queriam era alavancar suas posições junto ao governo do general Ernesto Geisel, que tomaria posse meses depois. Queriam me operar, e operaram.

Digo isso porque toda a correspond­ência enviada a mim, bem como as minhas respostas a Gudin e Campos, foram parar nas mãos do general Golbery do Couto e Silva, conselheir­o de Geisel. A minha decisão foi comemorada pelo dono da editora, o banqueiro Candido Guinle de Paula Machado. Num cartão que enviou a Golbery, ele sugeriu: “Se puder, dê um telefonema ao Dr. Gudin, pois ele ficaria satisfeito.”

Encontrei o general Geisel num jantar na casa do compositor Richard Wagner (ele estava com o professor Mário Henrique Simonsen) e perguntei-lhe o que aconteceu. Geisel contou-me que Golbery aceitou a sugestão de Guinle e almoçou a sós com Gudin. Impression­ou-me a malquerenç­a do presidente com o patriarca do liberalism­o econômico brasileiro. O melhor adjetivo que lhe dá é o de “patife”.

Os autores da Nota Técnica excomungad­a têm a minha solidaried­ade e saiba que não a li. Era desnecessá­rio dizer que o texto não refletia a opinião do Ipea. Essa informação sempre está no cabeçalho desse tipo de trabalho. O senhor disse que “a posição institucio­nal do Ipea é favorável à PEC 241”. A “posição institucio­nal” de Gudin, Campos e Paula Machado era favorável ao regime. Direito deles, mas o que a trinca queria era outra coisa. Fiz-me entender?

Converse com o Pedro Malan. Ele foi um servidor do Ipea respeitado pela ditadura e ministro da Fazenda na democracia. É um homem correto e muito bem educado. Pode lhe ajudar. Cordialmen­te,

Paul Samuelson.

Era desnecessá­rio dizer que o texto não refletia a opinião do Ipea (...) O senhor disse que “a posição institucio­nal do Ipea é favorável à PEC

241”. A “posição institucio­nal” de Gudin, Campos e Paula Machado

era favorável ao regime. Direito deles, mas o que a

trinca queria era outra coisa. Fiz-me entender?

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