Anti-herói em busca de redenção
Deixe de lado o Ben Affleck de caráter dúbio do suspense Garota Exemplar ou o interessante Batman nesta nova etapa do ninja justiceiro no cinema. Este Affleck de O Contador incorpora um cara diferentão, que sofreu bullying a vida toda por ser portador da Síndrome de Asperger, uma espécie de autismo que não impede o contato social e que, no seu caso, desenvolve habilidades cognitivas geniais no campo da matemática.
Quem o vê solitário como o contador Christian Wolff na trama dirigida por Gavin O'Connor pensa que sua vida é um tédio. Só que não. Por trás das manias infinitas, dos cálculos surreais que o ajudam a seguir focado, Wolff mantém atividades escusas para organizações criminosas ao redor do mundo, trabalhando como um facilitador de aplicações em paraísos fiscais. E ainda atua também um exímio matador de aluguel quando a necessidade se faz.
Acontece que, pego pelo FBI com a boca na botija após lavar dinheiro por anos, o contador aceita desvendar um golpe milionário numa empresa de próteses e robótica. Assim, ele, que sempre trabalhou na quadrilha do eu sozinho, tem que aceitar a parceria da agente Dana Cummings (Anna Kendrick) numa empreitada planejada pelo chefe do Departamento Criminal do Ministério da Fazenda, vivido por J.K. Simmons. Em entrevista, a atriz brincou que ela trabalha neste filme como ajudante do herói, uma espécie de Robin, numa referência ao Batman de Affleck.
PESQUISA
“Fui capturado por sua originalidade e o conceito é diferente de tudo que já vi”, disse o diretor na primeira exibição para convidados em Los Angeles. Ele se refere ao fato de nunca ter visto personagem similar no cinema. Para entender do que estavam falando, estudou bastante.
“Eu e Ben vimos documentários, ouvimos podcasts e consultamos especialistas para entender essas pessoas especiais”, contou o cineasta, que festejou o faturamento no fim de semana de estreia mais de US$ 25 milhões. Ben Affleck encara o retorno como reconhecimento à seriedade do tema: “Eu não seria louco em tratar uma questão séria como o autismo com desrespeito. Interpretamos o que os autistas precisam enfrentar a vida inteira como algo heroico”.
A trama constrói a história de Christian Wolff em camadas interessantes, com sensibilidade até para tratar de sua condição. Ben Affleck atua numa região de conforto, a do minimalismo, e isso ajuda na composição do personagem. Mas o excesso de vaivém dos flashbacks atrapalham a fruição do filme em certos momentos, especialmente ao ligar a infância problemática do personagem, marcada pelo abandono da mãe e pelo tratamento duro que recebeu do pai militar, com sua vida adulta.