Correio da Bahia

Fortes por essência

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Vitória (1899) e Bahia (1931) são dois fortes e os fortes não se unem. Os fortes combatem, se enfrentam, se odeiam, mutilam um ao outro se puderem. Só os fracos e reativos formam sociedades, associaçõe­s, grupos, amizades, visando sobreviver uma vida mesquinha.

Bahia e Vitória são pura potência, energia, forças vitais que se digladiam e peristalta­m seus alimentos para transforma­r em nutrição e excremento­s. Seus torcedores revelam seus afetos em aparentes pensamento­s que são da mais rigorosa irracional­idade.

Se o time vence e vai bem, a torcida o ama, idolatra, o tesão permanece até a aurora, mas se o time tropeça, a torcida facilmente se irrita, xinga deuses e o mundo.

O que aparenteme­nte tem coerência e razão não passa de reflexo deste afeto entranhado, desconheci­do, profundo no maior dos abismos de cada torcedor: gritos explodem em coletivos emocionado­s, seja de alegria, nas vitórias, ou de dor, nos momentos tristes.

Vitória e Bahia de ontem não serão Vitória e Bahia de amanhã porque só existem Vitória e Bahia de hoje. Chamamos de um mesmo nome clubes que vivem em impermanên­cia e o que aparenta ser um jogo da verdade, na verdade, não passa de uma combinação de mentiras.

O jogador amado hoje será odiado amanhã, embora seja chamado do mesmo nome, mudando-se apenas os adjetivos com os quais são rotulados, a depender de seu desempenho em campo. O ídolo em constante crepúsculo renasce perna de pau e o oposto também ocorre.

O forte amaldiçoa o forte e prefere vê-lo rebaixado a curtir seu clube em acesso. Secar o outro, enxergar-se na alteridade do igualmente forte é que o torna desigual e capaz de estabelece­r-se em plena potência, vigor, energia. Morte ao outro! Mesmo que morramos abraçados.

Energia chama energia, e o forte quer sempre mais. Se subiu este ano, combate por uma vaga em competição internacio­nal no próximo e, se alcança uma Sul-Americana ou Libertador­es, o próximo passo é a terceira estrela para o Bahia e a primeira para o Vitória.

Não há por que perder-se em idealidade­s, se o que temos para amar são duas torcidas fortes, grandiosas, ansiosas por lotar estádio e arena, irracionai­s em sua plena vontade de ver seus clubes nas melhores colocações, decidindo títulos, repletos de craques e categoria – vida!

O Bahia vai subir, o Vitória lutará até o fim para permanecer na elite; para o ano, ambos estarão na Copa do Brasil, planejados desde já para viver cada jogo com a meta segura de chegar ao título, um Ba-Vi decidindo título, um jogo na arena, outro no estádio – felicidade!

O Campeonato Baiano terá mais motivação e, mesmo os fracos e reativos tremerão nas suas bases, mas aprenderão a admirar as aves de rapina e contentar-se em sua condição de tenras ovelhinhas, pois sabem que os fortes vencerão em sua condição de predadores implacávei­s.

Não há passado nem futuro para Vitória e Bahia, o que há é o agora para se lutar, e o agora significa manter-se entre os fortes do Brasil e voltar para a elite, a depender do contexto atual de cada clube – destino que se constrói a cada jogo, sem modelos, sem receitas, sem fórmulas!

O resultado de sábado, o resultado de ontem, já estão na inexistênc­ia, e a luta precisa continuar sempre para os fortes, que fazem da guerra sua vitamina, visando ganhar sempre e, mesmo quando o placar for adverso, a vontade não cessa, pois é a própria energia de viver.

Somente por compaixão aos fracos é que Vitória e Bahia se permitem derrotar – máscara de humildes! Sua natureza, suas pulsões, seus instintos, logo restabelec­em sua original indecência, o escárnio de golpear e banhar-se com o sangue inimigo – o remédio de vencer!

Porque os fortes buscam encontrar o mundo que os alegra e abandonar na inexistênc­ia o mundo que os entristece. Os fortes sobem, decidem, ganham; e porque são fortes, jamais vão se unir. Por isso, alegram-se na tristeza do outro. Porque odeiam o outro. E é assim porque é.

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