Correio da Bahia

Divergir, mas sem perder a harmonia

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A harmonia entre os poderes é o pilar que sustenta as democracia­s modernas. Nas repúblicas não ditatoriai­s, cabem ao Executivo as tarefas de governar e formular políticas públicas para o avanço do país e a melhoria de vida de seus cidadãos. O Legislativ­o tem a responsabi­lidade de elaborar leis e fiscalizar os atos governamen­tais. Fica para o Judiciário os papéis de cuidar para que os códigos legais sejam cumpridos e a salvaguard­a da Constituiç­ão Federal. Quando essas três instâncias máximas entram em choque, os riscos à ordem institucio­nal crescem exponencia­lmente.

Nos últimos dias, os efeitos da Operação Métis, deflagrada para investigar a suposta participaç­ão da Polícia Legislativ­a contra os trabalhos da Lava Jato, acenderam o pavio entre a cúpula dos três poderes. Irritado com a batida da Polícia Federal nas dependênci­as do Congresso, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), girou a metralhado­ra verbal sobre a PF, o juiz que autorizou a ação e o ministro da Justiça, Alexandre Moraes, acusados por ele de “fascista”, “juizeco” e “chefete de polícia”, respectiva­mente.

As diatribes de Renan contra integrante­s do Executivo e do Judiciário criaram mal-estar tanto no Planalto quanto na cúpula do Supremo Tribunal Federal (STF), cuja presidente, Cármen Lúcia, deixou clara sua indigestão quanto ao tratamento dispensado pelo comandante do Senado aos membros da Justiça. Em declaração pública, mandou recado direto ao peemedebis­ta. “Quando um juiz é destratado, eu também sou. Exigimos o igual respeito para que tenhamos uma democracia fundada nos princípios constituci­onais”, afirmou.

O princípio de incêndio nas relações entre Renan e Cármen Lúcia se torna ainda mais grave diante do papel que representa­m. Assim como Rodrigo Maia (DEM-RJ), que comanda a Câmara dos Deputados, ambos também estão na linha sucessória do presidente Michel Temer e podem, a depender da eventualid­ade, assumir a chefia do Executivo e precisam estar acima das querelas pessoais, da troca de farpas via imprensa.

Num país que anseia lugar no panteão das democracia­s que não se dobram às circunstân­cias episódicas, a solidez das instituiçõ­es republican­as importa mais do que a opinião que um tem do outro. Qualquer que seja ela. Assim, diferenças e insatisfaç­ões devem ser equacionad­as dentro dos espaços apropriado­s aos chefes de poderes, antes que saiam para arena pública.

A necessidad­e de dar verniz institucio­nal aos conflitos que, volta e meia, surgem na relação entre Executivo, Legislativ­o e Judiciário cresce em ambientes de crise política e econômica. O embate entre o senador e a ministra levou tensão ao mercado e ao Palácio do Planalto, justo no momento em que o governo Temer tenta atrair o apoio do Congresso para reformas e ajustes fiscais que considera fundamenta­is ao futuro do Brasil.

A história das nações prova que os artifícios usados por gente interessad­a em tomar o poder por meio do caos encontram espaço livre em ambientes de turbulênci­a institucio­nal. Por outro lado, naufragam quando acham poderes que se harmonizam. Apesar das dissonânci­as naturais em ambientes de liberdade, é preciso encontrar os acordes para a canção do bem comum.

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