Futebol feminino: a CBF acertou dessa vez
“É uma questão de estado, interesse estratégico da Fifa, da Conmebol e da CBF o desenvolvimento do futebol feminino. Isso não é discurso”. Em uma terça-feira marcada por duas novidades impactantes na modalidade – a primeira mulher treinando a seleção brasileira e o Campeonato Brasileiro com duas divisões -, a fala do secretário-geral da CBF, Walter Feldman, dá esperança de que, a partir de agora, o futebol feminino tenha consistência efetiva no Brasil.
O país já teve a melhor jogadora do mundo durante cinco anos seguidos (Marta, de 2006 a 2010) e a população se empolgou com a campanha do quarto lugar da seleção na Olimpíada do Rio - muito mais pelo empoderamento feminino do que por interesse real na modalidade. Mas foram situações isoladas, que embora garantam visibilidade temporária, acabam sendo efêmeras porque não encontram um contexto de respaldo, como competições fortes, calendário extenso e tudo que o profissionalismo carrega. Eram um gatilho; faltava o tiro certeiro.
É raro a CBF dar motivos para ser elogiada nos últimos anos, mas dessa vez a confederação pode ter acertado esse tiro ao fundir as duas competições então existentes (Campeonato Brasileiro e Copa do Brasil), que eram úteis para os times competitivos, mas não fomentavam a criação de novas equipes. Com a criação de um Brasileirão verdadeiramente nacional, com duas divisões, sendo que a segunda divisão terá, obrigatoriamente, times de pelos menos 14 estados, já que os estaduais serão critério de acesso ao campeonato a partir de 2018, clubes e federações terão um caminho mais pavimentado para desenvolver o futebol feminino.
O torneio pretensamente mais forte, com acesso e rebaixamento, premiação por fases, despesas de alimentação, hospedagem e transporte custeados para todos os clubes e um formato mais extenso devido ao aumento do número de jogos, é uma estruturação que vai manter as jogadoras em atividade por mais tempo, organizar o calendário, com isso a tendência é atrair patrocinadores, audiência (Sportv e Bandports vão transmitir), futuras jogadoras e, assim, criar a cadeia alimentar necessária para que o futebol feminino deixe de ser um esporte de militância e dependente das prefeituras, como é hoje em quase todo o país. A escolha de uma mulher para treinar a seleção completa o pacote com o simbolismo necessário para o momento. O futebol feminino é relativamente novo no Brasil – há registro de um time de mulheres em 1913, mas a modalidade “renasceu” na década de 1980, após ter sido proibida por lei de 1965 a 1979, no período da ditadura militar – e, nesse intervalo de tempo onde cabem somente duas gerações, se ainda é difícil viver do futebol como jogadora, imagina como treinadora.
A aposta em Emily Lima para treinar o Brasil não deixa de ser ousada por parte da CBF. Afinal, aos 36 anos, ela tem longa estrada no meio, mas é iniciante como treinadora e não tem mais experiência nem currículo do que seus antecessores homens. Foi jogadora até 2009, fez a transição como auxiliar e virou técnica em 2012. Em quatro anos de carreira, ganhou um Paulista e foi vice do Brasileiro, em 2015, e vice da Copa do Brasil na semana passada. No entanto, é importante para fincar uma bandeira. E Emily, apesar de iniciante, não caiu de para-quedas. Passou pela seleção sub-15, sub-17 e agora chega à profissional. Antes do convite da seleção, ela já estava acertada para ser auxiliar do time masculino do São José na Copa São Paulo sub-20, em janeiro, seguindo seu cronograma de se preparar ao máximo. Emily não quer ocupar vaga só por ser mulher; quer por preparo. A escolha da CBF abre o horizonte para que mais mulheres sejam técnicas e, com o tempo, ocupem um espaço dominado pelos homens porque o país é machista, mas também porque atualmente há muito mais homens capacitados para exercer a função do que mulheres. Na Copa do Brasil que Emily acabou de ser vice-campeã, apenas seis dos 32 times eram treinados por mulheres. Cenário que, na opinião da agora técnica da seleção, em entrevista ao site Trivela, em março, é assim porque faltam estímulo da CBF e interesse das atletas em virar técnica. Emily talvez não imaginasse, mas agora ela é o estímulo.