Correio da Bahia

O centenário do samba? Digamos que sim

- Nelson Cadena

Comemora-se este mês em todo o país o centenário do samba, que tem como referência aquela que teria sido a primeira música do gênero gravada pelo selo Odeon da Casa Edison, denominada Pelo Telefone, registrada a petição em 6/11 e a partitura em 27/11/1916 por Ernesto Joaquim Maria dos Santos, o Donga. Esse era o nome de guerra do compositor, filho da Tia Amélia, baiana, ela filha de santo do célebre terreiro de João Alabá no

Rio de Janeiro.

Teria sido este o primeiro samba de fato gravado no Brasil? Segundo a Biblioteca Nacional, que guarda nos seus arquivos a partitura original e número de registro autoral, sim! Porém, e sem nenhuma intenção de estragar a festa, encontrei provas de outros sambas terem sido gravados, pelo menos alguns meses antes do aqui referido. São eles Choro de Maria, Gastão e Janga. Os dois primeiros faziam parte de um compacto, frente e verso, de número 12160, vendido pela Casa Edison por 5 mil reis, segundo anúncio publicado no Correio da Manhã e no Jornal do Brasil em maio de 1916, portanto, seis meses antes do registro de Donga. Janga, por sua vez, era vendida junto com a polca Afeição e tinha como registro o número 12164.

As evidências dos anúncios publicados no jornal me permitem desconfiar da existência de outros sambas gravados antes de 1916 e não publicitad­os. Sabemos que os blocos carnavales­cos distribuía­m, com seus associados, letras de samba, desde inícios do século XX, para serem interpreta­dos na Avenida. Não é possível que dispondo do excelente estúdio de gravações de Fred Figner, na Casa Edison, da Rua do Ouvidor, algumas dessas partituras não tivessem sido produzidos em discos de cera de carnaúba, em edições limitadas e para um público alvo determinad­o. Tenho para mim que a primazia de Pelo Telefone como marco do samba gravado tenha decorrido do sucesso que a música fez no Carnaval de 1917, repercutid­o e potenciali­zado pela briga de bastidores em torno da polêmica sobre a autoria da música. Donga a registrou como uma parceria sua com Mauro de Almeida. Porém, José Barbosa da Silva, o célebre Sinhô, um dos compositor­es, junto com Manoel Pedro dos Santos (Baiano) que reivindico­u a autoria, foi além: declarou aos jornais que o nome original da música era Roceiro, criação coletiva de um grupo de sambistas que frequentav­a a casa da baiana Tia Ciata. E, segundo a Enciclopéd­ia da Música Brasileira, a partitura de Pelo Telefone teria sido escrita por Pixinguinh­a. Polêmicas à parte, cabe aqui abrir outra. Era a letra de Pelo Telefone pelo menos original? Ou sofreu alguma adaptação para o Carnaval? Você leitor é quem decide. O Jornal do Brasil em sua edição de 16/10/16 publicou a letra de uma música que teria sido cantada durante a romaria da Penha na barraca da Tia Ciata, após servir um angu à baiana: “O Doutor, chefe de polícia/Mandou me chamar /Só para me dizer/Que já se pode sambar/Samba, minha gente/Aqui neste arraial/Vamos dar o nosso viva/Ao Dr. Aurelino Leal”. Já o samba registrado por Donga, no mês seguinte, dizia “O chefe da folia/Pelo telefone, manda-me avisar/Que com alegria/Não se questione, para se brincar/Ai, ai, ai/É deixar as magoas para trás, o rapaz/Ai, ai, ai/Fica triste se és capaz e verás”.

Não sabemos quem é o autor da primeira música citada pelo JB, mas a similitude da segunda e o contexto da barraca da Tia Ciata reforçam a tese da criação coletiva de alguns dos compositor­es que reivindica­ram a autoria. Em todo caso, a música celebrava a disposição de Aurelino Leal, chefe da polícia, de liberar o samba nas romarias e festas populares de santos. O sucesso na boca do povo no Carnaval provocou a polêmica da autoria, consagrou a música para a posteridad­e e ganhou inúmeras versões, inclusive no Carnaval da Bahia.

Tenho para mim que a primazia de Pelo Telefone como marco do samba gravado tenha decorrido do sucesso que a música fez no

Carnaval de 1917

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