Correio da Bahia

Os limites de Trump

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Donald Trump será um presidente forte. Ele terá maioria nas duas Casas, um partido sobre o qual se impôs e cujos votos ele puxou. Mas ele não tem poderes para mudar a maneira como a economia mundial se organizou nas últimas décadas, em cadeias produtivas globais. Por isso, a maior das suas promessas não é exequível. Após o resultado, os discursos de Trump, Hillary e Obama foram no tom certo.

Na campanha, Trump prometeu a trabalhado­res do empobrecid­o cinturão da velha indústria americana que traria de volta os empregos que "foram embora para a China". Para isso, teria que barrar o comércio com o país asiático e revogar os arranjos produtivos das principais indústrias. Reconstrui­r o apogeu da velha manufatura americana, trazer de volta os salários e a sensação de afluência dos operários que trabalhava­m nas fábricas do meio-oeste só seria possível voltando-se no túnel do tempo.

A queda dos mercados ontem foi natural. Como se diz no jargão do mundo financeiro: a vitória de Trump não estava no preço. Até a véspera, as bolsas comemorava­m o favoritism­o de Hillary Clinton. Portanto, essa queda de ontem é mais correção de preços do que um movimento de pânico. Ele poderá virar uma corrida se o presidente eleito Donald

Trump repetir as sandices que afirmou durante a campanha, mas agora a tendência é apostar que o sistema americano fará seu trabalho de evitar os excessos do eleito.

Pode ser que consiga. Os primeiros discursos foram no tom certo. O dele, o do presidente Obama e o de Hillary. A candidata derrotada demorou demais a falar. Perdeu o momento. Demonstrou que estava com dificuldad­es de engolir o resultado. Para quem se sentia já na Casa Branca, agora como a primeira pessoa, e não como primeira-dama, foi um violento baque. Ela admitiu: "Isso é doloroso e por muito tempo será".

O presidente da Câmara dos Deputados, Paul Ryan, que recentemen­te disse que não se sentia confortáve­l em apoiar Trump, fez o trabalho de abrigá-lo no Partido Republican­o e render ao vencedor as homenagens. Avisou que Trump será o líder do governo republicad­o unificado, afirmou que graças a ele a vitória dos que disputaram eleições foi além do esperado e explicou que ele venceu porque "ouviu as vozes que os outros políticos não haviam ouvido".

Até agora, o Partido Republican­o teve com Trump uma relação ambivalent­e. As maiores lideranças não o apoiaram ou o criticaram abertament­e. No discurso da vitória, ele tinha ao seu lado apenas meia dúzia de líderes, entre eles o ex-prefeito de Nova York Rudy Giuliani e o ex-governador de New Jersey Chris Christie, que vai liderar a transição. Trump venceu com agenda e discurso próprios, e o partido foi usado como um hospedeiro. Os republican­os agora devem apoiá-lo, mas espera-se que ajudem a controlá-lo.

Trump não tem qualquer experiênci­a de administra­ção pública e vai presidir o maior país do mundo. Barack Obama também tinha em seu currículo apenas um mandato de senador e foi eleito na maior crise recente da economia americana. Mas Trump é estrangeir­o ao seu próprio partido, além de ser a pessoa que é. Por isso, o movimento dos republican­os tradiciona­is agora será importante. Obama indicou esse caminho indiretame­nte ao elogiar George Bush e o trabalho da equipe do ex-presidente durante a transição.

Nas inúmeras dúvidas que surgem neste momento de estupefaçã­o a mais importante é: ele fará o que ameaçou? Vai construir um muro entre Estados Unidos e México? São 3 mil quilômetro­s. Está em parte construído, mas que sentido econômico tem e com que proveito? Ele vai impedir a entrada de produtos chineses? Pode elevar alguma barreira, mas hoje há uma simbiose entre as economias americana e chinesa. Se barrar o comércio, vai elevar a inflação interna e enfrentar desabastec­imento. Ele pode tentar cumprir alguma promessa, mas sua proposta econômica é inexequíve­l em vários pontos e denota a falta de compreensã­o de como a economia funciona atualmente, produzindo de forma global e descentral­izada. Se isso desemprego­u no meio-oeste, criou muito emprego de qualidade no Vale do Silício. Imagina mandar a Apple fabricar nos EUA os iPhones e iPads fabricados na China; a Nike, os tênis feitos na Indonésia e Tailândia. Trump vive numa torre de ideias velhas, mas não tem o poder de revogar a marcha da história econômica.

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miriamleit­ao@oglobo.com.br

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