Correio da Bahia

A secretária e o economista

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A Proposta de Emenda Constituci­onal (PEC) que limita os gastos do governo vai ser votada no Senado da República nos próximos dias. O país está dividido entre aqueles que consideram a PEC indispensá­vel para a retomada do cresciment­o econômico e aqueles que afirmam que ela vai paralisar o país. Salvador sediou esta semana um duelo de gigantes entre essas duas posições. De um lado estava a secretária do Tesouro Nacional, Ana Paulo Vescovi, que ocupa o segundo cargo mais importante na hierarquia do Ministério da Fazenda, e fez uma palestra lúcida e segura no III Fórum Bahia Econômica. De outro, no mesmo evento, estava o economista Raul Veloso, que afirmou sem meias palavras que essa PEC é uma PEC anti-investimen­to.

A secretária do Tesouro mostrou que as receitas do governo, que representa­vam 20% do PIB, em 2010, caíram para 17,7%, enquanto as despesas do governo, que eram de cerca de 18,5%, passaram para quase 20% do PIB. A diferença está sendo paga com aumento da dívida pública e, mantida essa trajetória, a dívida atingiria já em 2019 cerca de 85% do PIB. Esse é o caminho da insolvênci­a e a PEC dos gastos tem como objetivo frear essa trajetória e tornar factível a realização de superávits primários, assegurand­o a estabilida­de da relação dívida/PIB sem que seja necessário aumentar os impostos. Vescovi afirmou que, ao limitar aos gastos no montante da inflação, a PEC fará com que as despesas públicas federais retornem aos níveis de 2008, e permitirá colocar a dívida pública em níveis mais baixos, bem como os juros necessário­s para sua rolagem. A PEC dos gastos seria assim a âncora do planejamen­to fiscal de médio prazo. A secretária fez questão de lembrar que não estão incluídas na PEC a repartição de receitas tributária­s, como o Fundo de Participaç­ão de Estados e Municípios , os royalties, o salário-educação, e recursos do Fundeb, Fies e outros. Em relação à saúde e à educação, ela afirma que a PEC só altera a fórmula de cálculo do limite mínimo de gastos e não obriga qualquer redução de gastos. Reconhece que a PEC é apenas uma âncora e que são indispensá­veis outras reformas, especialme­nte a da Previdênci­a Social, mas diz que os índices de confiança do empresaria­do estão todos em alta sinalizand­o a recuperaçã­o e que, com a aprovação da PEC, poderá haver uma queda de juros estrutural, que já começou, e mais recursos disponívei­s para investimen­to e consumo. O economista Raul Veloso foi por outra linha e disse que a PEC é uma PEC anti-investimen­to, pois, como a Previdênci­a e a Assistênci­a Social representa­m 70% dos gastos, que não podem ser restringid­os, quem vai pagar a conta são os gastos correntes e aí o governo vai ter de cortar no investimen­tos e em outras áreas. E afirmou: “esqueçam o investimen­to público”. Veloso reclamou do otimismo que tomou conta da economia, disse que a taxa de juros está caindo muito lentamente e que a taxa de investimen­to em relação ao PIB, que era de 21% no 1º semestre de 2014, chegou a 17,1 % no 2º semestre de 2016.

Embora os dois palestrant­es não tenham debatido, é possível estabelece­r alguns pontos de contato. O Raul Veloso tem razão quando diz que a PEC é anti-investimen­to, mas anti-investimen­to público. E isso a própria secretária do Tesouro reconhece ao colocar a retomada dos investimen­tos na pasta das concessões e parcerias público-privadas.

Em relação aos gastos, a PEC só vai ter efeito se for feita a reforma da Previdênci­a, senão o rombo vai permanecer, inclusive para estados e municípios. Raul Veloso reclama também do ajuste fiscal proposto, que prevê para este ano um déficit primário de R$ 170 bilhões e para o ano que vem outro déficit de R$ 117 bilhões, lembrando que o ideal era viabilizar superávit e não déficit.

Ora, isso é verdade, mas esse déficit seria muito maior sem a PEC. Em resumo: a PEC de contenção dos gastos não é lá grande coisa, mas sem ela a situação do país seria muito pior.

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