Correio da Bahia

A triste ária dos corruptos

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A ópera da corrupção que assola o país décadas a fio teve seu clímax esta semana, justamente no mais conhecido palco nacional. Em apenas 24 horas, dois ex-governador­es do Rio de Janeiro foram presos pela Polícia Federal, cujas investigaç­ões revelaram a parcela de responsabi­lidade que o grupo liderado por um deles – Sérgio Cabral (PMDB) – tem na situação de quase falência vivida pelo estado, até pouco tempo atrás elogiado no mundo pelo sucesso dos Jogos Olímpicos, pela revitaliza­ção da cidade maravilhos­a.

Enquanto milhares de moradores do Rio tomavam as ruas em protesto contra atrasos de salários e propostas que ameaçam jogar sobre eles a conta pela roubalheir­a aliada à má gestão, a força-tarefa da Lava Jato desnudava ao público como uma quadrilha organizada dentro do Palácio Guanabara ajudou a dilapidar as finanças do estado. A sensação dos manifestan­tes ao ver Cabral e sua gangue tomarem o rumo de Bangu 8 era a de que, enfim, há um Brasil que pune os grandes corruptos.

O sentimento de revanche se tornou ainda maior quando os procurador­es da Lava Jato detalharam a vida de luxo da família Cabral e asseclas associados. Com o produto do conluio entre políticos e empreiteir­os, foram comprados relógios chiques, joias, vestidos de grife, helicópter­os, lanchas e mansões à beira-mar no balneário ironicamen­te batizado de República de Mangaratib­a. Como se fizessem piada com o povo governado por eles, o peemedebis­ta e sua mulher, a advogada Adriana Ancelmo, também cercada pela PF, pagaram com propina cachorros-quentes para a festinha do filho e o gás usado no apartament­o do casal.

Os dois juízes federais que ordenaram a prisão de Cabral – Sérgio Moro, de Curitiba, e Marcelo Brétas, do Rio – deixaram claro em seus despachos a ligação entre o colapso financeiro do estado fluminense e o esquema que desviou centenas de milhões de reais dos cofres públicos. Só em propina para a turma do ex-governador foram pagos ao menos R$ 224 milhões. Dinheiro que daria para manter programas sociais que o sucessor deles, o também peemedebis­ta Luiz Fernando Pezão, quer cortar, tendo como justificat­iva a necessidad­e de ajustar o buraco no caixa, em parte criado por antigos coligados de poder.

Os episódios que chocaram o país nos últimos dias deram mais força ao argumento de quem defende a PEC do Teto dos Gastos. Para eles, dinheiro há, o que não há, em muitos casos, é gestão eficiente e honestidad­e com o patrimônio público. Afinal, com o que se rouba no Brasil seria possível resolver grande parte das mazelas da saúde, educação e infraestru­tura – maiores alvos da sanha dos corruptos. E isso precisa ser passado a limpo cada vez mais. Doa a quem doer.

Em tempo: embora Anthony Garotinho (PR) tenha sido preso por usar programas sociais para comprar votos na eleição do município fluminense de Campos dos Goytacazes, nada justifica o tratamento agressivo usado pela polícia do Rio na transferên­cia do ex-governador de um hospital para Bangu 8. Muito menos permitir que jornalista­s e curiosos gravassem aquelas cenas para transmiti-las em cadeia nacional e redes sociais. Nesse ponto, a desafinaçã­o foi desconcert­ante.

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