Correio da Bahia

Sobre vigilância e punição

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Por pouco, muito pouco, a parte descomprom­issada da Câmara dos Deputados quase coloca abaixo o pacote anticorrup­ção criado para frear aquele que é o câncer das democracia­s modernas. Por pouco, muito pouco também, a mesma Casa terá a chance, na próxima terça-feira, de começar a virar a página responsáve­l pelo atraso nacional e desnudada, como nunca antes, por meio da Operação Lava Jato, que deu origem à proposta em tramitação no Legislativ­o.

A duras penas e sob intensa pressão dos próprios pares, o relator do projeto, deputado Ônix Lorenzoni (DEM-RS), conseguiu manter grande parte do projeto apresentad­o à Câmara pelos procurador­es da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, após intensa mobilizaçã­o social. Estão lá, por exemplo, medidas considerad­as fundamenta­is para conter a sanha dos corruptos, apesar de todas as manobras tocadas no afã de neutraliza­r ou minimizar os efeitos do pacote.

A começar pela criminaliz­ação do enriquecim­ento ilícito de funcionári­os públicos e o confisco de bens relacionad­os à corrupção e lavagem de dinheiro, algo não previsto no Código Penal. O parecer que será analisado no plenário da Câmara manteve também o aumento das penas para estelionat­o e corrupção, além de sua inclusão no capítulo dos crimes hediondos, desde que a vantagem obtida de maneira ilícita bata a marca dos 10 mil salários mínimos – R$ 8,8 milhões, em valores atuais. Soma pequena se comparada ao que roubam os grandes ladrões de verbas públicas.

O pacote também traz mecanismos para dar agilidade processual em casos envolvendo corrupção. As chicanas judiciais são apontadas pelos representa­ntes do Ministério Público e especialis­tas no tema como fatores que ampliam o grau de impunidade para quem comete esse tipo de crime. Entre os quais, amplia os prazos de prescrição, restringe manobras jurídicas feitas apenas para atrasar ou anular ações e agiliza os prazos para o andamento de casos de improbidad­e administra­tiva.

Ao mesmo tempo, a proposta aprovada pela comissão especial da Câmara implementa dois outros itens importante­s na guerra contra os saltimbanc­os do erário. Um é o chamado “confisco alargado”, que impede de maneira mais ampla o acesso dos corruptos ao produto da rapinagem e aos bens decorrente­s dela. O outro é criação de uma figura comum nos Estados Unidos: o “reportante” – do inglês, whistleblo­wer -, que dá salvo conduto criminal e recompensa financeira ao autor de denúncias no campo do patrimônio público e administra­tivo. No mesmo compasso, prevê penas para acusações falsas.

Mas o nó está mesmo sobre os dois mais espinhosos temas. Embora o pacote tipifique como crime o caixa 2 de campanha para políticos e partidos, há uma ofensiva para anistiar quem levou dinheiro por fora até a entrada da lei em vigor. Tal perdão esbarra nos anseios de um povo ávido por varrer os corruptos para o cárcere ou, no mínimo, para fora das urnas. Derrubar tal medida é retroceder na odisseia para combater o mal do país.

Em outro compasso, é necessário que Congresso e sociedade civil se detenham, sem paixões exacerbada­s, sobre a necessidad­e de impor limites ao lado de lá da história – o dos que investigam, processam e julgam os corruptos. Uma vez comprovado­s abusos, não há desculpa para que não se puna. É inegável o favor histórico prestado ao país por agentes federais, procurador­es e juízes da Lava Jato. Mas não se nega também que magistrado­s e membros do MPF pertencem a uma casta superior, imune aos efeitos da lei, que afinal é dura, mas é a lei. Vale para todos.

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