Correio da Bahia

Uma dor para sempre

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A dor de perder um ente querido nunca passa. A gente só se acostuma com ela. E, após nos tirar um pedacinho, essa dor nos muda, nos fortalece. Mas desde ontem, o que o Brasil menos quer é ser forte.

O futebol é uma paixão nacional. Impossível não imaginar que a queda do avião da Chapecoens­e poderia ter acontecido com nosso time do coração. Que os companheir­os de imprensa poderiam ser nossos colegas de mesa. É a empatia que uniu o país todo logo aos primeiros raios da manhã.

Para outros, como eu, começou antes. No início da madrugada chegaram as primeiras notícias, no Twitter, do desapareci­mento do avião, logo localizado. Com o ouvido ligado numa rádio colombiana, muitos se viraram no espanhol e na esperança. No começo, falava-se em muitos sobreviven­tes. E com esse sentimento de que “tudo vai ficar bem daqui a pouco”, não consegui mais desgrudar da internet. Um resgatado, dois resgatados. O final feliz parecia certo.

Mas a mesma esperança verde, como a Chapecoens­e, que nos encheu foi sendo dilacerada a cada golpe em espanhol que saía dos radialista­s, voluntário­s e autoridade­s que participav­am do resgate. O golpe final, em meio à chuva torrencial que caía no Cerro Gordo, foi devastador.

A Chapecoens­e é como o mascote de todo torcedor brasileiro, é como o irmão mais novo. Clube pequeno, com redes sociais bem-humoradas e uma gestão impecável. O Índio Condá mostrou que saber como gastar é mais importante do que ter o que gastar.

Com um orçamento pequeno, mas muito profission­alismo, saiu da Série D para a Série A em seis anos. Desde 2014, quando chegou à elite, sempre é apontada como candidata ao rebaixamen­to, mas chega às últimas rodadas salva.

Neste ano, contra qualquer prognóstic­o, chegou à final da Copa Sul-Americana. Seus jogos nas fases iniciais nem eram transmitid­os. A classifica­ção heroica para a final contagiou não só os cerca de 210 mil habitantes de Chapecó, como todo o país.

A receita do clube é simples, apesar de poucos times conseguire­m colocá-la em prática. Teto salarial respeitado, pagamentos em dia, respeito ao torcedor e profission­alismo na gestão.

Não importa o tamanho do time de cada um. Todos queriam ser como a Chape. Envolver uma cidade inteira, um país. Surpreende­r, ser popular e querido. Ser exemplo. A Chape tem a emoção e a razão do futebol juntas.

E é por isso que o país inteiro chora e se consterna com a tragédia. De fato, um pedaço de cada um de nós, apaixonado pelo futebol, ficou no Cerro Gordo na madrugada de ontem. Que a dor da tragédia nos una para, juntos, aprendermo­s a conviver com ela. Para sempre.

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