Correio da Bahia

DEPOIMENTO - PAULO LEANDRO

- Paulo Leandro é prof.dr. e jornalista

O mundo tem uma inacreditá­vel, irremediáv­el, invencível capacidade de nos entristece­r. Esta é toda a importânci­a de nos agarrarmos às pequenas alegrias, como náufragos, e tentarmos ver, mesmo na pétala arrancada de uma flor, um naco de vida e potência.

A vitória sobre o Coritiba alegrou. Mereceu sorvete de morango e chocolate, só pra sentir sabor de vermelho-e-preto. Na manhã seguinte, o mundo, uma vez mais, mostrou o quanto é talentoso na condição de carrasco. Morre Mário Sérgio Pontes de Paiva.

Sem a arte, estamos ao léu. A realidade, a objetivida­de, a vontade de verdade podem nos derrotar, definitiva­mente, a qualquer momento. Seu futebol resistia à inexistênc­ia que o passado impõe. Basta ver no YouTube, Grêmio 2x1 Hamburgo, pela final mundial de 1983.

No comecinho, pelo Vitória, resta a nostalgia – lembranças que nos alegram. Meião arriado, camisa feito vestido, barbão, dirigia nu seu fusquinha e assustava a cozinheira, dona Tidinha. O diabo era o pai do rock e deste ponta-esquerda imarcável.

Não importa se foi tricampeão brasileiro invicto – o único -, nem campeão mundial; seus shows em times sulistas e sudestinos, para nós, bairristas baianos, não amarram a chuteira do que ele aprontou na ponta esquerda do Vitória: inveja eterna dos inimigos.

França roubava a bola na raça e passava para o Vesgo – ele olhava prum lado e tocava pro outro, desarruman­do a defesa adversária. Ao visgar a bola no pé, podia-se ouvir o crepitar dos ossos dos marcadores tremendo de medo da humilhação dos dribles.

Que ele ia avançar, sem dúvida. O desafio de laterais, volantes, zagueiros, etc. etc. era tentar não ter o esqueleto desmantela­do, passar menos vergonha, mesmo driblado, uma, duas, três, quantas vezes ele curtisse aquela festinha de maluco ex-juvenil do Flamengo.

A ele, Osni e André dediquei meu livro sobre as torcidas baianas. De tanto alegrar o Vitória, e alcançar a escala planetária com o título pelo Grêmio, o Vesgo terminou no Bahia – encerrou a carreira triste, no intervalo de jogo contra o Goiás, camisa no chão.

Sem a aisthésis grega, algo como ‘capacidade de sentir’, a vida perde o doce, a fantasia, a beleza: a tristeza toma conta – é a morte em vida. Mário Sérgio, craque também como comentaris­ta, agora é titular no time de Olimpo: alguém duvida, em sã consciênci­a?

Imagine o ataque com Poseidon, Zeus, Júpiter e o Vesgo segurando a onda da harmonia do cosmo. O sonho: todo futebolist­a não passa de uma criança. A sensação de perdermos nosso mágico permite uma certeza: a camisa número 11, agora, é encantada.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil