Correio da Bahia

Falta agenda

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No dia em que o Brasil ficará de frente com mais um número ruim, da coleção que tem desfilado diante dos nossos olhos nos últimos meses — a sétima queda do PIB —, é preciso lembrar que falta um projeto para sair da crise. O governo Temer tem propostas que são difíceis de serem aprovadas e são demoradas na tramitação. Mas a política econômica não pode se resumir a isso.

Um economista que tem chamado a atenção para a falta de ideias e ação do governo é o ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco. Ele lembra que nem só de propostas de emenda constituci­onal pode viver a reorganiza­ção da economia. Há muitas medidas que não precisam passar pelo Congresso e que podem ser adotadas pela equipe econômica para tentar reativar a economia.

É claro que ele não está falando em algo que faça parte do receituári­o que levou ao colapso da economia, como as isenções fiscais para empresário­s, os projetos de intervençã­o nas regras econômicas. Quer apenas que o governo tenha uma agenda. O ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga em entrevista ao “Valor” também alertou que a dinâmica da dívida está “avassalado­ra” e que por isso é preciso repensar o mix de políticas, com mais ajuste fiscal, mesmo que seja pelo lado da receita, para que haja menos peso sobre a política monetária.

Os juros nominais caem muito lentamente, enquanto a taxa de juros real subiu nos últimos meses, como lembrou recentemen­te o economista José Roberto Mendonça de Barros. Ele alerta que a lentidão com que as medidas são tomadas no governo é muito grande. Ainda que considere que elas estejam na direção certa. O economista Armando Castelar, do Ibre/FGV, acha que o governo está tentando fazer uma agenda micro, como a proposta das concessões em infraestru­tura, os projetos do PPI e “uma nova postura do BNDES”. De fato, no BNDES e na Petrobras há claramente nova direção. O banco mudou recentemen­te a orientação dos financiame­ntos na área de energia, atualizand­o seu papel de banco de desenvolvi­mento. A instituiçã­o não financiará projetos de alta emissão de carbono, como usinas a carvão e a óleo combustíve­l, ao mesmo tempo em que ampliará o financiame­nto de energia solar. Isso sim é um movimento de política industrial modernizad­or. O problema é que o governo é contraditó­rio em outras partes. A decisão de defender o subsídio à indústria automobilí­stica, que gera custos ao governo pela renúncia fiscal, mesmo após sua condenação na OMC, é um total despropósi­to. É a aceitação do lobby empresaria­l mais velho, e a manutenção de uma política equivocada do governo passado.

Castelar alerta que não é fácil ter uma agenda de aumento da competitiv­idade quando se tem um custo de capital tão alto quanto no Brasil. Por isso ele acha importante que as medidas de ajuste fiscal sejam aprovadas para que o risco possa cair e, portanto, o custo. O problema é que aprovar uma PEC nas duas votações na Câmara mais duas no Senado leva meses, e os efeitos da proposta do teto de gastos, por exemplo, não são imediatos. Como não serão os da reforma da Previdênci­a. O país precisa tocar as grandes reformas, ao mesmo tempo em que faz alterações regulatóri­as ou burocrátic­as que melhorem o ambiente de negócios. Não tem que haver uma escolha. A negociação do pacto fiscal com os estados exige do governo central mais liderança e definição do que não se pode transigir. Os empresário­s estão bombardean­do a proposta de criação do Fundo de Estabiliza­ção Fiscal a ser montado com 10% dos incentivos fiscais concedidos. A proposta é mais do que razoável. Imagine que uma empresa tenha 80% de desconto nos impostos estaduais, mesmo com o FEF ficará com 72% de abatimento. Ainda assim, as empresas beneficiad­as estão pressionan­do os governador­es com argumento de que é quebra de contrato.

O Brasil vive uma emergência. Não faz sentido limitar gastos com educação e saúde, congelar salário de funcionári­os, aumentar a contribuiç­ão previdenci­ária e deixar algumas empresas com benefícios intocados. Essa agenda, de redução de abusivos subsídios ao capital, é não apenas necessária para o momento de crise, mas fundamenta­l para o futuro do país.

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miriamleit­ao@oglobo.com.br

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