A tragédia e seus legados
O desastre aéreo que ceifou de maneira inesperada a equipe da Chapecoense deixou como legados não apenas a dor e a perplexidade pelas 71 mortes do malfadado voo da LaMia. O primeiro deles nasce com a compaixão e a solidariedade sem precedente demonstradas pelos colombianos, que choraram por aquelas vítimas estrangeiras com a mesma intensidade de quem lamenta a perda de entes queridos ou de ídolos da própria nação.
A homenagem realizada por milhares de pessoas que lotaram o Estádio Atanásio Girardot, em Medellín, teve o poder de despertar o sentimento de irmandade entre os povos latino-americanos. Independente das diferenças de língua, cultura e dinâmica social, a Colômbia abraçou e acalentou um Brasil ainda atônito.
Num ato de extremo altruísmo, os colombianos desmontaram o argumento de quem, como o escritor irlandês Oscar Wilde, tem certeza de que as tragédias de uns sempre são profundamente banais para outros. A entrega apaixonada e o apoio incondicional do lado de lá da fronteira mostram que corre o mesmo sangue nas veias ainda abertas da América Latina.
Tal gesto se torna mais importante por vir de um país que luta para sepultar a herança deixada pelo narcotráfico, cuja presença manchou a imagem da Colômbia na comunidade internacional. Leva também a refletir se não é hora do maior Estado do continente estreitar de vez os laços com todos os hermanos. O melhor pagamento para a solidariedade é a gratidão.
O acidente com o voo da LaMia resgata também o valor de projetos sérios e construídos com o envolvimento de toda uma comunidade. O que se comprova com a trajetória em ascensão da Chapecoense, time que, em meia década, mitificou nos campos o Davi capaz de vencer o Golias. Exemplos como esse, a morte jamais conseguirá apagar.
Por outro lado, a tragédia nas montanhas de Medellín reforça a necessidade de maior rigor das autoridades sobre companhias de aviação que operam ao arrepio das normas de segurança. Após as lágrimas derramadas, é preciso apurar responsabilidades e cobrar a punição dos culpados. A começar pelos órgãos de controle aéreo da Bolívia, onde a LaMia atuava irregularmente, sob a complacência de quem deveria zelar pela integridade dos que atravessam seus portões de embarque.
A sucessão de ilegalidades que culminou com a queda da aeronave foi resultado direto da cumplicidade de agentes públicos da Bolívia. Foram eles que autorizaram o plano de voo apresentado como fraude grosseira e alheio às regras básicas da aviação civil. As investigações iniciais apontam com clareza o papel do despachante e do piloto da LaMia, também dono da companhia, na lambança iniciada em Santa Cruz de la Sierra.
No entanto, os passageiros nunca teriam embarcado para a morte sem o aval das autoridades bolivianas, que identificaram a probabilidade de pane seca em cálculos simples sobre a quantidade necessária de combustível. Punir os responsáveis pelo acidente não trará os heróis da Chape de volta, mas pode impedir que novos desastres interrompam sonhos e vidas.