Correio da Bahia

A turma da Lava Jato deve confiar na Justiça

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Os doutores da Operação Lava-Jato dizem que o projeto que pune os abusos de autoridade praticados por policiais, juízes e promotores destina-se a “aterroriza­r procurador­es, promotores e juízes”.

Não estão sozinhos. A presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, pergunta: “Criminaliz­ar a jurisdição é fulminar a democracia. Eu pergunto a quem isso interessa? Não é ao povo, certamente. Não é aos democratas, por óbvio. (...) Desconstru­ir-nos como Poder Judiciário ou como juízes independen­tes interessa a quem?”.

Joaquim Barbosa, que ocupou a cadeira da ministra, fez um raciocínio mais acrobático. Segundo ele, as forças que cassaram o mandato de Dilma Rousseff estariam num novo lance: “Se eu posso derrubar um chefe de Estado, por que não posso intimidar e encurralar juízes?”.

A ideia de que o projeto aprovado na Câmara intimida, encurrala, ou amedronta os juízes, procurador­es e policiais repetiu-se dezenas de vezes. Basicament­e, o projeto estabelece penas de seis meses a dois anos de prisão para magistrado­s que ajuízem ações com má-fé, por promoção pessoal ou perseguiçã­o política ou procurador­es que instaurem procedimen­tos “em desfavor de alguém, sem que existam indícios mínimos de prática de algum delito”. O nó está aí, uma investigaç­ão aberta levianamen­te pode dar cadeia.

Alguns artigos são banais, como o que penaliza os servidores que venham a “proceder de modo incompatív­el com a honra, a dignidade e o decoro de suas funções”. Houve época em que um presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo deixava sua Porsche no estacionam­ento da Corte. Vá lá. Num surto, o projeto quer proibir juízes de dar entrevista­s. É verdade que eles não deveriam falar fora dos autos, mas não podem ser amordaçado­s. A Lava-Jato e todas as investigaç­ões estariam ameaçadas porque, aberto um inquérito, um cidadão que se julgue prejudicad­o poderá processar procurador­es ou mesmo o juiz por abuso de autoridade. “Um atentado à magistratu­ra”, nas palavras do juiz Sérgio Moro. Antes de concordar com o fim do mundo, fica uma pergunta: quem poderá condenar o policial, o procurador ou o juiz? Um magistrado, e só um magistrado. Se os procurador­es da Lava-Jato, o juiz Moro, a ministra Cármen Lúcia e seu colega Joaquim Barbosa não confiam na Justiça, por que alguém haverá de fazê-lo?

De fato, juízes e procurador­es podem se sentir intimidado­s, até mesmo aterroriza­dos. A Lei Maria da Penha, por exemplo, intimida e aterroriza milhares de homens que pensam em bater numa mulher. Assim são as coisas e é bom que assim sejam.

Com novos mecanismos de correição, uma juíza como a doutora Clarice Maria de Andrade, da comarca paraense de Abaetetuba, poderia ficar intimidada ou mesmo aterroriza­da antes de permitir, em 2007, que na sua jurisdição uma menina de 15 anos fosse mantida presa numa cela com 23 homens durante 26 dias. Três anos depois, o Conselho Nacional de Justiça puniu-a, com a pena de aposentado­ria compulsóri­a. Em outubro passado, o CNJ reviu a decisão, colocando-a em disponibil­idade, por dois anos, com vencimento­s proporcion­ais. Depois, zero a zero e bola ao centro.

A defesa da lei do abuso tem uma carga maldita. De um lado, estão juízes e procurador­es que batalham em defesa da moralidade, e, do outro, personagen­s de pouca reputação. Uma coisa é uma coisa, e outra coisa é outra coisa. Imagine-se um sujeito que entra numa igreja e vê um batizado. Os padrinhos são os senadores Renan Calheiros e Romero Jucá, mais os deputados Rodrigo Maia e Weverton Rocha, signatário da emenda que define crimes de responsabi­lidade para juízes e procurador­es. O bebê é inocente, nada sabe da vida, mas acaba associado aos quatro padrinhos.

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