Correio da Bahia

O rescaldo do Black-Fraude

- Nelson Cadena

Perdemos definitiva­mente a oportunida­de de um Black-Friday de descontos efetivos, nos moldes da grande liquidação que precede o dia de Ação de Graças nos Estados Unidos, um modelo que o comércio de nosso país incorporou de cinco anos para cá, sem nenhum compromiss­o de fidelidade. Recriamos o Black-Friday como um Black-Fraude, semelhante a tantas outras liquidaçõe­s de araque com que o comércio nos brinda toda hora e todo ano, reforçando no consumidor a sua desconfian­ça quanto ao preço de fato promociona­l. Nenhuma novidade em nosso Black-Friday, além da lorota.

Ano vai, ano vem, e o Black-Fraude já é uma realidade e não vejo que esse processo possa ser revertido, diante do descrédito a que chegou. O Black-Friday fracassou e o seu definitivo adeus, caixão e vela com direito à Marcha Fúnebre de Chopin, já foi encomendad­o para dentro de mais um par de anos, talvez cinco, para consolidar a década. Não enxergo um futuro para essa encenação.

O que vimos este ano reforça a nossa convicção. O nosso Black-Friday deixou de ser, se é que foi alguma vez, uma liquidação, para ser um mote de campanhas publicitár­ias e apenas isso. Bom para as agências de propaganda que ganharam uma nova data “promociona­l” com todo o respeito pela palavra. Mas, sem nenhum resultado para o consumidor que, na prática, lida com descontos de 10% a 30%, o mesmo de praxe em liquidaçõe­s pontuais, ou, pior, com o “desconto de 50% sobre o dobro do preço”, como reverberou de forma bem-humorada, nas redes sociais.

Recriamos o evento como uma fraude de fato. A começar pelo período que alguns shoppings e lojas estabelece­ram para a suposta liquidação: não um dia de preços baixos como no Black-Friday original, mas, três, ou, uma semana e até 15 dias. E inventamos as variáveis marqueteir­as de Black Week, Black Weekend e Black Friday Estendida. Pode? Uma fraude extensiva também a outros segmentos que não do varejo tradiciona­l. E então vimos concession­árias de automóveis anunciando as mesmas ofertas dos feirões que praticaram durante o ano, com taxa zero e etc e vimos imobiliári­as anunciando apartament­os com supostos descontos sobre os valores de entrada e vimos motéis anunciando a sensaciona­l oferta de fique seis horas e pague duas, que novidade!

Em outras palavras, assumimos a fraude como estratégia de marketing. Impondo o “dever” a todo comerciant­e de pongar encima de um conceito promociona­l genérico, sem o compromiss­o de ofertar o menor preço. E então ele veste a camisa do Black—Friday e chama o consumidor para a loja onde terá na vitrine um cartaz reforçando o apelo de vendas e apenas isso. E colocará três a quatro cartelas anunciando descontos de até 50% na mercadoria encalhada de sempre. E o consumidor que não é tão bobo quanto alguns supõem, comparece, mas, identifica nas ofertas as digitais das liquidaçõe­s de araque e só compra se tiver a percepção de um preço atraente. O Black-Friday original foi criado para esvaziar o estoque antes de reforçar as prateleira­s com os artigos de Natal. Nós, brasileiro­s, não entendemos nada para além da motivação, imaginando que através de propaganda, sem que a liquidação de farto correspond­a ao conceito, poderíamos induzir o consumidor a comprar. Uma boa parte dos lojistas preferiu a esperteza, como faz nas liquidaçõe­s oficiais dos shoppings, outra aderiu mais ou menos e pouquíssim­os de fato entraram no espírito da coisa. O resultado está aí com a Black-Friday desacredit­ada e sem a possibilid­ade de reverter o quadro. Queimaram o filme, não há mais como recuperar a imagem.

Assumimos a fraude como estratégia de marketing. Impondo o ‘dever’ a todo comerciant­e de pongar encima de um conceito promociona­l genérico, sem

ofertar o menor preço

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ncadena200­6@gmail.com

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