O rescaldo do Black-Fraude
Perdemos definitivamente a oportunidade de um Black-Friday de descontos efetivos, nos moldes da grande liquidação que precede o dia de Ação de Graças nos Estados Unidos, um modelo que o comércio de nosso país incorporou de cinco anos para cá, sem nenhum compromisso de fidelidade. Recriamos o Black-Friday como um Black-Fraude, semelhante a tantas outras liquidações de araque com que o comércio nos brinda toda hora e todo ano, reforçando no consumidor a sua desconfiança quanto ao preço de fato promocional. Nenhuma novidade em nosso Black-Friday, além da lorota.
Ano vai, ano vem, e o Black-Fraude já é uma realidade e não vejo que esse processo possa ser revertido, diante do descrédito a que chegou. O Black-Friday fracassou e o seu definitivo adeus, caixão e vela com direito à Marcha Fúnebre de Chopin, já foi encomendado para dentro de mais um par de anos, talvez cinco, para consolidar a década. Não enxergo um futuro para essa encenação.
O que vimos este ano reforça a nossa convicção. O nosso Black-Friday deixou de ser, se é que foi alguma vez, uma liquidação, para ser um mote de campanhas publicitárias e apenas isso. Bom para as agências de propaganda que ganharam uma nova data “promocional” com todo o respeito pela palavra. Mas, sem nenhum resultado para o consumidor que, na prática, lida com descontos de 10% a 30%, o mesmo de praxe em liquidações pontuais, ou, pior, com o “desconto de 50% sobre o dobro do preço”, como reverberou de forma bem-humorada, nas redes sociais.
Recriamos o evento como uma fraude de fato. A começar pelo período que alguns shoppings e lojas estabeleceram para a suposta liquidação: não um dia de preços baixos como no Black-Friday original, mas, três, ou, uma semana e até 15 dias. E inventamos as variáveis marqueteiras de Black Week, Black Weekend e Black Friday Estendida. Pode? Uma fraude extensiva também a outros segmentos que não do varejo tradicional. E então vimos concessionárias de automóveis anunciando as mesmas ofertas dos feirões que praticaram durante o ano, com taxa zero e etc e vimos imobiliárias anunciando apartamentos com supostos descontos sobre os valores de entrada e vimos motéis anunciando a sensacional oferta de fique seis horas e pague duas, que novidade!
Em outras palavras, assumimos a fraude como estratégia de marketing. Impondo o “dever” a todo comerciante de pongar encima de um conceito promocional genérico, sem o compromisso de ofertar o menor preço. E então ele veste a camisa do Black—Friday e chama o consumidor para a loja onde terá na vitrine um cartaz reforçando o apelo de vendas e apenas isso. E colocará três a quatro cartelas anunciando descontos de até 50% na mercadoria encalhada de sempre. E o consumidor que não é tão bobo quanto alguns supõem, comparece, mas, identifica nas ofertas as digitais das liquidações de araque e só compra se tiver a percepção de um preço atraente. O Black-Friday original foi criado para esvaziar o estoque antes de reforçar as prateleiras com os artigos de Natal. Nós, brasileiros, não entendemos nada para além da motivação, imaginando que através de propaganda, sem que a liquidação de farto corresponda ao conceito, poderíamos induzir o consumidor a comprar. Uma boa parte dos lojistas preferiu a esperteza, como faz nas liquidações oficiais dos shoppings, outra aderiu mais ou menos e pouquíssimos de fato entraram no espírito da coisa. O resultado está aí com a Black-Friday desacreditada e sem a possibilidade de reverter o quadro. Queimaram o filme, não há mais como recuperar a imagem.
Assumimos a fraude como estratégia de marketing. Impondo o ‘dever’ a todo comerciante de pongar encima de um conceito promocional genérico, sem
ofertar o menor preço