Correio da Bahia

Choque persistent­e

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A conta da eletricida­de criada pela política da ex-presidente Dilma conseguiu a façanha de ser um passivo que precisa ser pago várias vezes. A mesma conta persegue o consumidor ano após ano. O erro daquela redução artificial das tarifas decretada em 2012 provocou o tarifaço, despesas para o Tesouro, crise econômica e reaparece como passivo das empresas de transmissã­o de energia.

O custo agora será de R$ 62 bilhões, mas em 2015 o país já pagou a mesma conta da desastrada intervençã­o nos preços de energia feita pela ex-presidente através do enorme reajuste das tarifas que ficou na média em 51%, mas chegou, em algumas cidades, aos níveis de 70%. A conta de energia elétrica dos consumidor­es residencia­is, hoje, é 33% mais cara do que antes de a presidente Dilma intervir no setor em 2012. Isso, levando-se em consideraç­ão a queda de 10% no ano passado, fruto da recessão econômica, que fez despencar o consumo, permitindo a revisão das bandeiras.

A MP 579 ficará para a história como o exemplo perfeito do que não fazer. O primeiro erro foi misturar política com decisões econômicas e baixar preços para usar como moeda eleitoral. Dilma gravou o comunicado ao país sobre a queda dos preços tendo ao seu lado o marqueteir­o João Santana. Não era ano eleitoral, mas o plano era preparar uma peça publicitár­ia.

Outro erro foi tomar a decisão de reduzir as tarifas sem olhar a situação do setor, e as previsões hidrológic­as. O país estava entrando num período de estiagem, os preços dispararam, as empresas estavam expostas ao mercado livre, e literalmen­te quebraram. Para reequilibr­ar financeira­mente as distribuid­oras, o governo liberou socorro do Tesouro e depois determinou que elas se endividass­em no mercado bancário tendo como garantia o compromiss­o da agência reguladora de que o custo daquela dívida seria repassado às contas. E foi o que aconteceu em 2015, quando o preço disparou. A crise havia chegado em um ponto tal que, se as tarifas não fossem corrigidas, as empresas de distribuiç­ão iriam à bancarrota.

Depois foi a vez de as geradoras quererem também se ressarcir dos prejuízos da 579 e agora chegou a hora de pagar as perdas das empresas de transmissã­o. Esses R$ 62 bilhões que serão, de novo, tirados dos consumidor­es são, portanto, a terceira vez que esse fantasma reaparece no orçamento do brasileiro. Desse total, R$ 35 bilhões são o custo de ter adiado a solução. As indenizaçõ­es às empresas deveriam ter começado em

2013, mas foram postergada­s pela ex-presidente. A cobrança desse valor na conta de luz será dividida em oito anos. Em 2017 serão R$ 10,8 bilhões, mas outras parcelas desse valor serão cobradas nos anos seguintes. Isso quer dizer que um erro cometido em 2012 permanecer­á pesando sobre o país até 2025.

A conta foi paga também indiretame­nte e de várias outras formas. A inflação subiu e espalhou custos para toda a economia. A disparada dos preços acabou fazendo parte da tempestade perfeita que jogou o PIB brasileiro no buraco do qual ainda não saiu. Os juros tiveram que ser elevados, aumentando o custo da dívida pública. O setor deixou de investir por longo tempo porque muitas empresas estavam com graves desequilíb­rios financeiro­s.

Segundo o diretor-técnico da consultori­a PSR, Bernardo Bezerra, há risco de aparecerem mais dois esqueletos. As geradoras dizem que querem receber por ativos não depreciado­s, e as distribuid­oras apresentar­am mais uma conta. Dizem que o consumo caiu, por causa da crise e dos erros da MP 579, e isso as deixou sobrecontr­atadas, o que no jargão elétrico quer dizer que fizeram contratos para entregar mais energia do que foi consumida. O país corre outro risco que é essa MP virar agora a desculpa para todo o tipo de desequilíb­rio. Até aqui, a conta das empresas era real. O perigo é virar desculpa.

Tentando fazer um contrafact­ual: o que teria acontecido no país se em vez de João Santana ao seu lado, com a sua suposta esperteza — a mesma que o levou à prisão — ela tivesse um bom especialis­ta em energia? Ele poderia ter dito que ela não fizesse o que fez. Se assim fosse, provavelme­nte, muito da atual crise teria sido evitado.

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miriamleit­ao@oglobo.com.br

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