Correio da Bahia

Retrato dos defeitos

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Nos últimos dois dias o IBGE divulgou retratos do mercado de trabalho e foram tristes fotos. O desemprego vai piorar, é o que dizem os especialis­tas. Ele está a caminho de 13% nos próximos meses. Pode melhorar no fim do ano. A crise jogou o país no desemprego, e ele tem uma dinâmica com duas perversida­des: atinge mais quem é mais vulnerável e demora a ser revertido. Na quinta-feira, o IBGE divulgou o dado novo, que é mais amplo, e mostra, além dos desemprega­dos, os que estão parados por desalento e os que estão apenas fazendo trabalhos em menor tempo do que gostariam. Esse conceito da subutiliza­ção da mão de obra abarca 24 milhões de brasileiro­s. Quem está em desalento é porque desistiu de procurar emprego ou, às vezes, sequer tem dinheiro para ficar circulando por aí com seu currículo. O jornal O Globo ressaltou ontem outro recorte: o dos 2,3 milhões de pessoas que estão procurando emprego há mais de dois anos. São resistente­s, duros na queda, se estão na estatístic­a é porque ainda buscam o emprego fugidio.

Ontem foi o dia da divulgação da taxa que mede o número de pessoas que nos últimos 30 dias procurou emprego e não encontrou. São 12,9 milhões de brasileiro­s desemprega­dos. Eles encontrara­m portas fechadas no trimestre de novembro, dezembro e janeiro, 3,3 milhões a mais do que um ano antes. O desemprego é um trem que vai avançando nos seus trilhos e só para de crescer quando chega ao fim da viagem. Quando ele começou a aumentar, o economista José Márcio Camargo disse que chegaria a 13%. Parecia exagero. Ontem, ele voltou a afirmar que chegará a 13% até abril. Já está em 12,6%.

É mais difícil reverter a atual situação porque a economia não tem onde se segurar.

Não há investimen­to aumentando porque os governos estão em dificuldad­e fiscal em todos os níveis administra­tivos e porque há um número consideráv­el de empresas endividada­s e em dificuldad­e de crédito, algumas pela recessão, outras porque estão envolvidas em investigaç­ões anticorrup­ção, ou as duas coisas. As famílias não podem aumentar o consumo, apesar de a queda da inflação aliviar o orçamento, porque também têm dívidas. O sistema bancário brasileiro é outro complicado­r. Nada justifica que no atual contexto, depois de a Selic ter caído dois pontos percentuai­s e a taxa de captação ter sido reduzida, os bancos aumentem a taxa de juros. É pior do que não repassar a queda da taxa básica, é aumentar os juros que cobram, no movimento inverso da Selic. Não há explicação técnica, econômica, financeira para tal disparate. Os bancos brasileiro­s são eficientes em se defender, em proteger seus ativos e patrimônio, em reduzir seus custos, mas têm um comportame­nto corsário em relação à economia.

A tragédia é maior para quem sempre esteve exposto às desigualda­des brasileira­s. A taxa de desemprego é grande para todos, mas é maior para pretos e pardos. O desemprego entre pretos é de 14,4%, entre os pardos é de 14,1%. Entre os brancos é de 9,5%. Isso mostra o racismo no mercado de trabalho que sempre esteve presente e que fica pior nos momentos em que os empregos são escassos. Há explicaçõe­s como a diferença de escolarida­de ou a crise na construção civil, mas, em um mercado com poucas ofertas de vagas, o empregador escolhe preferenci­almente homens brancos. O desemprego é também maior em três pontos percentuai­s entre as mulheres do que entre homens. É altíssimo em relação aos jovens. Chega a 25% entre os que têm entre 18 e 24 anos. Chega a 39,7% no grupo que tem entre 14 e 17 anos, mas nesse caso mostra outra anomalia. Essas crianças deveriam estar estudando em vez de estar procurando emprego. Se estão na estatístic­a é porque declararam ao pesquisado­r que procuraram emprego no último mês. São anos de formação e na escola é onde deveriam estar.

A legislação trabalhist­a protege apenas quem já está no mercado de trabalho. Dá, por exemplo, ao sindicato o poder de ir à Justiça para requerer o reajuste pela inflação dos dois últimos anos. E, como a taxa está em queda, a Justiça acaba concedendo aumento real. Mas não há proteção para os realmente vulnerávei­s. O nervo exposto da crise é o desemprego, e os números exibem os vários defeitos do Brasil.

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miriamleit­ao@oglobo.com.br

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