Correio da Bahia

Um paradoxo brasileiro

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Apesar de todos os mecanismos de controle fiscal, ainda prevalece no imaginário do contribuin­te brasileiro, de todas as classes sociais, a sensação de que o único crime passível de se cometer, sem a aparente censura da sociedade, seria a conhecida sonegação fiscal. Essa ideia, abominável, teria respaldo no fato dos entes públicos, leia-se União, Estados, Municípios e o Distrito Federal, não destinarem devida e legalmente as receitas provenient­es dos impostos recolhidos pelos contribuin­tes brasileiro­s. Noutras palavras, seria algo como, se o governo rouba do povo, na medida em que desvia escancarad­amente o dinheiro dos impostos, por que o cidadão deve declarar e pagar corretamen­te seus tributos?

Ora, nada mais paradoxal e absurdo do que justificar usando como um pretenso álibi moral a existência de outro. Nesse caso, pior, pois se quer legitimar um crime, tipificado nos Códigos Penal e Tributário, e na Constituiç­ão Federal, em razão da ocorrência de outro igualmente censurável, cometido pelo Estado. Sonegar é crime nas suas variadas formas, como simular operações mercantis visando a evasão fiscal, fraudar a declaração do imposto de renda, não emitir notas fiscais ou reduzir os valores reais de vendas de imóveis, exemplos simples e recorrente­s da burla do sistema tributário nacional.

Nesse compasso, é de uma hipocrisia sem tamanho defender diariament­e o combate à corrupção e ser tolerante com a sonegação, quando ambas as práticas são igualmente nocivas e perniciosa­s ao Estado brasileiro. A título comparativ­o, a sonegação tem se revelado um delito muito mais difícil de ser apurado, em muitos casos devido à criativida­de deletéria dos sonegadore­s, haja visto as inúmeras transações de negócios e engenharia­s tributária­s que permitem a ocultação de valores e patrimônio, com o manejo de instrument­os que não deixam rastros, como imóveis, obras de arte, templos, igrejas e jogos de azar, setores com frágil regulação estatal e reduzida fiscalizaç­ão.

O Brasil avança cada vez mais para um ambiente de repúdio às práticas delituosas, com o aperfeiçoa­mento de seus mecanismos legais de combate a corrupção e desvio de dinheiro público, o que inclui a sonegação. No campo legal, as legislaçõe­s que versam sobre essa temática, notadament­e a Lei Anticorrup­ção, aperfeiçoa­ram o ordenament­o jurídico, e o Poder Judiciário, ao lado da Polícia Federal e do Ministério Público, tem avançado brilhantem­ente nesse processo de restabelec­er a transparên­cia e a moralidade pública e social, para reduzir significat­ivamente a impunidade que outrora reinava absoluta nesse Brasil de contradiçõ­es.

A missão é dificílima e somente terá êxito se quebrarmos esse paradigma cultural secular de que sonegar imposto é aceitável. Além disso, há que se fazer cumprir as boas leis que o país possui, e fortalecer de maneira contínua os órgãos estatais de controle, disponibil­izando-lhes estrutura adequada para fiscalizar, indiciar e punir os infratores, pessoas físicas e jurídicas. Nunca é demais lembrar que Al Capone foi preso por sonegação fiscal e não pelos inúmeros crimes que, como gângster, cometeu.

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