Treinador também é gente
Quem parou para assistir aos jogos neste fim de semana, deve ter observado que alguns treinadores vestiam a mesma camisa. A classe tem se reunido num movimento que visa fortalecer a profissão, criando uma lei federal que os proteja dos clubes maus pagadores e sem gestão profissional. Conta com nomes como Guto Ferreira e Vagner Mancini e batiza o projeto de Lei Caio Júnior, uma homenagem ao técnico que morreu em novembro após a queda do avião que levava a delegação da Chapecoense para a Colômbia, e que foi um dos fundadores da Federação Brasileira dos Treinadores de Futebol.
O Projeto de Lei 7560/2014, que ainda não foi votado pelo senado, propõe que os clubes sejam obrigados a assinar um contrato de trabalho com os técnicos, algo que ainda é raro no futebol brasileiro e muito comum na Europa. Além disso, prevê um tempo mínimo de seis meses de duração e registro feito na CBF, assim como os vínculos dos atletas. Como os treinadores possuem praticamente a mesma exposição dos atletas, a ideia é que os clubes sejam obrigados a pagar direitos de arena. Uma tentativa de tornar ainda mais difícil a cômoda decisão de demitir um técnico sempre que uma sequência de resultados negativos aparece.
É óbvio que, ao longo dos anos, os treinadores ganharam uma importância muito grande no futebol. Todo dia que antecede uma partida, muitos querem ouvir como o professor pretende escalar seu time. Depois dos jogos, os questionamentos sobre a atuação da equipe são feitos de maneira sistemática, com o comandante prensado na parede e cercado por uma dezena de microfones. O atleta, sobretudo depois dos jogos, aparece menos que seu chefe, que passa a ser o responsável por blindar o grupo, evitando avaliações individuais e a exposição após atuações ruins. O treinador é também, muitas vezes, erroneamente o porta-voz da diretoria em momentos de crise. Essa importância conquistada no futebol moderno traz uma responsabilidade do mesmo tamanho.
Não irei discutir se o técnico A é bom, ou se o professor B é ruim. Não hoje, pelo menos. Também não irei entrar no mérito financeiro, com aquele já batido argumento de que “profissional do futebol ganha muito dinheiro, por isso não pode reclamar”. Pode, sim. E deve.
Quando um treinador faz uma proposta salarial e o clube aceita, a responsabilidade maior é de quem contratou. Não adianta pôr a culpa em quem recebe, pois um dirigente não tem a obrigação de aceitar a oferta antes de fechar um acordo. Ninguém coloca uma faca no pescoço de um presidente e o induz a pagar fortunas a técnicos de futebol. No entanto, a partir do momento em que aperta a mão de seu contratado, tem o dever de cumprir com tudo o que foi acordado. Essa é a obrigação trabalhista – algo que ainda falta para a classe em questão. Muitos treinadores aceitariam receber menos, mas ter seus direitos cumpridos. É uma situação que traz equilíbrio às relações e as tornam mais profissionais, além de criar uma responsabilidade financeira maior para as agremiações.
O técnico pode – e deve – ser cobrado pelo seu trabalho. É peça fundamental na engrenagem de um time de futebol. Precisa estar atualizado, ser um bom gestor de conflitos e egos, ter habilidade para lidar com a opinião pública e buscar o melhor desempenho possível para conquistar bons resultados. No entanto, também deve ser respeitado. Milionário ou não, os direitos precisam ser cumpridos. Não há mais espaço para amadorismo no futebol.
Que o legado de Caio Júnior possa se tornar realidade pelas mãos de seus colegas de profissão.
Muitos treinadores aceitariam receber menos,
mas ter seus direitos cumpridos. É uma situação
que traz equilíbrio às relações e as tornam mais
profissionais