Correio da Bahia

Seca diminui a festa, mas não a fé em São José

- ROBERTO GAZZI É JORNALISTA

A procissão do dia de São José está chegando ao fim, são 11h20 e as pessoas vão se amontoando nas sombras das poucas árvores da praça da matriz de Maria Quitéria para se proteger do sol escaldante. Três horas antes chegou a cair uma garoa fininha, mas que não durou nem um minuto e não fez diferença para um lugar que sofre uma das maiores, se não a maior, seca de sua história.

A festa iria começar logo após o fim da procissão, com tudo o que marca a festa no interior: barracas de comida, bebida, brinquedos como tiro ao alvo, carrinhos de bater, música. Sentado numa cadeira em frente de sua casa, Agnelo de Freitas Almeida, 73 anos, observa: “Se fosse ano de chuva, teria três vezes mais gente pra festa. Tinha colheita, tinha dinheiro para gastar, mas agora não tem...”.

Certamente por isso, se a festa teria menos gente, a procissão teve a gente de sempre. As pessoas começaram a chegar cedo, com suas roupas de domingo ou camisetas de suas congregaçõ­es, logo depois das 8 horas, de todos os cantos à igreja da paróquia São José das Itapororoc­as, o antigo nome de Maria Quitéria. O assunto de todos era um só: a seca e a fé no santo, a última esperança para que caia chuva no sertão durante as estiagens, como cantado por Luiz Gonzaga na música A Triste Partida, baseada no poema de Patativa do Assaré. Na sexta até que choveu bem por ali. “Caiu 8 milímetros”, informava, preciso, o agricultor Eduardo Pereira da Silva, 75 anos, que a vida toda mora na região. “Na minha idade, nunca vi uma seca como esta, brava desde 2014”. Ele planta feijão, milho, mandioca e, quando chove, hortaliças. “Com a chuva de sexta, aproveitei para testar sementes. Não dá para arriscar e plantar tudo, a terra está muito dura”, conta. Em volta dele, gente relatava caso de agricultor­es que perderam até R$ 2 mil com grãos que não foram para a frente. Pai de 9 filhos, ele confia que São José “vai trazer chuva para nos alegrar”.

A seca atinge em cheio a economia da região, atrapalhan­do até os mais improvávei­s negócios. É caso de Caboclinho, passarinho que Luis Carlos Ferreira Bastos, vestindo uma camisa do Palmeiras, levou na gaiola para tentar vender na praça. “Se não fosse a seca, pegava R$ 400, mas já baixei pra R$ 200 e nada”, relata.

Nem era 9 horas e a igreja já estava completame­nte lotada. As pessoas então foram ficando lá fora, do lado direito, o da sombra da igreja. Pouco depois das 9 horas a missa começou e os fiéis ainda chegavam. Aí o povo foi juntando, juntando, pois era mais gente para uma sombra cada vez menor. Por volta das 10 horas o tempo fechou e até parecia que as iniciais preces a São José já dariam resultado. Mas só serviu para amenizar o fim da sombra, pois quase no fim da missa o sol estava lá, aquele sol para cada um, como se diz aqui na Bahia. Os jovens já se mostravam impaciente­s, fazendo cada vez mais brincadeir­as e muitos deles mostrando seus aparelhos dentários ao sorrir. Missa terminada, a procissão foi se arrumando, com 24 imagens de santos de várias comunidade­s. São José vinha por último, encerrando a tradiciona­l procissão, que teve até a presença do arcebispo metropolit­ano de Feira de Santana, dom Zanoni Demettino Castro. Em sua homilia, o arcebispo citou o trabalho da Igreja na construção de cisternas e pediu para São José dar sabedoria às autoridade­s.

Às 10h45 a procissão começa. Na caminhada, o arcebispo diz que o povo da região sabe conviver com aquela situação, mas que todos precisam ajudar os que mais sofrem e respeitar o meio ambiente. Este desrespeit­o certamente agravou a situação histórica do semiárido baiano. Na praça, Aurelina de Lima de Jesus observava a imagem de São José, enquanto eram cantados os versos de “Meu divino São José/eu estou aqui a seus pés/manda chuva com abundância/meu Jesus de Nazaré”. Até as 20 horas do domingo não chovera na região. Se ouvisse Aurelina, ela diria: “Ele nunca nos falta, não nos faltará”.

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Procissão percorre as ruas de Maria Quitéria celebrando São José

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