Correio da Bahia

Reforma da reforma

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Os recuos na Previdênci­a podem dar à reforma do governo Temer o mesmo destino das outras que não resolveram o problema. Mesmo assim, a equipe econômica garante que perdeu apenas 22% do que economizar­ia. Analistas de fora do governo acham que a perda pode ser maior. A nova proposta endureceu as regras para o funcionári­o público e, portanto, haverá agora uma nova onda de pressão.

Em 10 anos, a nova reforma conseguirá poupar R$ 615,5 bilhões, em vez dos R$ 793 bilhões que se esperava, afirma-se no governo. Na equipe econômica, o que se diz é que, apesar das concessões, se a aprovação da reforma ocorrer neste contexto de crise política será um grande ganho. Outros analistas concordam, mas acham que não há clareza nos números e nem certeza de que as concessões acabaram.

— Acho que foi a reforma possível. Não foi ruim. Não temos os dados, o governo não disponibil­izou, para calcular os impactos. Se isso for suficiente para garantir a aprovação, foi uma boa negociação. Havia coisas que desde o início todos sabiam que seriam difíceis. Nesse conjunto, colocaria o aumento da idade para o Benefício de Prestação Continuada e a aposentado­ria rural — diz Ana Carla Abrão, presidente do Conselho de Gestão Fiscal do município de São Paulo.

Hoje, a idade média com que as pessoas se aposentam por tempo de serviço está em torno de 55 anos. Pois as mulheres poderão se aposentar com 53 anos e os homens com 55, e só se chegará na idade mínima de 62 e 65 anos daqui a 20 anos. Em 1997, a proposta do governo Fernando Henrique era de idade mínima de 55 anos para mulheres e 60 para homens. Perde-se, assim, 40 anos no esforço para equilibrar a Previdênci­a. O governo diz que o prejuízo não foi grande porque antes havia regras de transição que levavam a idade mínima a 65 anos apenas daqui a 15 anos. Agora, a idade mínima tem diferença de gênero e vai ser aplicada daqui a 20 anos.

Na prática, é assim, segundo cálculos feitos por um especialis­ta. Uma mulher com 44 anos de idade e 26 anos de contribuiç­ão teria que contribuir até os 65 anos para se aposentar, porque estava fora das regras de transição. Pela nova regra, ela terá que trabalhar os quatro anos que faltam e adicionar mais 30% desse tempo restante, o tal pedágio. Isso daria no total 5,2 anos. Essa mulher estaria então com 49 anos. Só que, em 2022, a idade mínima será de 54 anos e 10 meses, que é a idade que ela poderá se aposentar. Enfim, que chance tem um sistema de previdênci­a que permitirá daqui a cinco anos que uma mulher se aposente antes dos 55 anos? Por outro lado, todos os servidores que entraram no setor público antes de 2003 passam a ter novas regras para obter as duas vantagens que os funcionári­os têm: se aposentar com o salário integral e a paridade com o pessoal da ativa. Agora, para manter as duas coisas, só se atingirem a idade mínima que será de 62 anos para mulher e 65 para homens. Antes disso, mesmo se atingirem o tempo de contribuiç­ão para se aposentar, eles perderão a paridade e a integralid­ade: — Vamos supor que estamos falando de uma mulher com 46 anos que falta um ano para se aposentar, uma funcionári­a pública. Ela poderá pagar o pedágio de 30% do tempo restante, trabalhar um pouco mais e se aposentar, mas se fizer isso antes dos 62 anos ela perderá a paridade e a integralid­ade.

Outra mudança foi no acúmulo de pensão e aposentado­ria. Atualmente, pode haver acúmulo, sem restrições. A proposta original do governo proibia esse acúmulo. A nova vai permitir, desde que não se ultrapasse dois salários mínimos. A perda não será grande nesse ponto porque a soma dos dois benefícios em geral acontece no grupo dos 30% mais ricos. Em relação aos parlamenta­res, hoje eles podem contar o tempo que contribuír­am pelo INSS com o período dos mandatos levando a aposentari­a para um valor muito acima do teto. Perderão essa chance, mas só os novos parlamenta­res. Em alguns casos, as concessões não são tão pesadas, em outras se perdeu o princípio, como o da igualdade de gênero. As parlamenta­res dizem que defendem as mulheres, quando na verdade querem que elas sejam compensada­s pelas desigualda­des. O certo é lutar contra as desigualda­des. Para a bancada feminina, falou mais alto a demagogia do que a luta verdadeira­mente feminista.

Os pontos-chave

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miriamleit­ao@oglobo.com.br

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