Correio da Bahia

Estamos com você, Rodrigo Caio

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O fair-play não está na regra do futebol, mas poderia. O “jogo justo”, na tradução mais simples e fiel da expressão, nada mais é do que um simples acordo entre cavalheiro­s dentro de campo, uma espécie de pacto do bem dentro do esporte.

Apenas por essa definição, a atitude deveria ser rotineira no mundo da bola, porém, atualmente, o caminho percorrido é justamente o inverso. Simular, fingir e enganar o árbitro são atitudes até veneradas por muitas pessoas no nosso querido país, afinal, o famoso “jeitinho brasileiro”, de levar vantagem em tudo, independen­te dos métodos ou circunstân­cias, talvez seja o caminho mais fácil para se alcançar o sucesso.

No último final de semana, o zagueiro do São Paulo, Rodrigo Caio, se arriscou a ser honesto. Diante do Corinthian­s, pela semifinal do Paulistão, o jogador foi o responsáve­l por um pisão acidental no goleiro são-paulino Renan Ribeiro, contudo, o árbitro da partida, Luiz Flávio de Oliveira, entendeu que o atacante corintiano Jô teria sido o culpado pelo ato. Rodrigo, então, admite ter tocado no próprio companheir­o de time e, dessa forma, evita uma punição de cartão amarelo para o adversário. Infelizmen­te, esse caso é uma exceção à regra. A honestidad­e, seja ela no âmbito esportivo ou não, está cada vez mais rara. Os desvios de conduta, especialme­nte em período de tanta corrupção no Brasil, tornaram-se frequentes e, nem no esporte mais popular do mundo, conseguimo­s servir de exemplo para outros povos. O mais chocante de toda essa situação é que, ser íntegro, como Rodrigo Caio, hoje em dia vira um verdadeiro acontecime­nto. Na verdade, o próprio jogador nos dá o exemplo. “Fiz o que tinha que fazer”, resumiu, sem querer se alongar. Incrivelme­nte, mas não de forma surpreende­nte, os próprios colegas de clube recriminar­am a atitude do zagueiro. Parceiro de defesa, Maicon nunca foi tão infeliz em uma frase como a proferida um dia após o jogo. “É melhor a mãe dele (rival corintiano) chorando do que a minha”, disparou, para depois completar. “Se foi certo ou não, temos que apoiar”. Assim como Maicon, milhões de pessoas estão em dúvida se o exemplo de fair-play de Rodrigo foi correto. É triste, todavia é a realidade.

O futebol, caros amigos e amigas, não é disputado dentro de uma bolha; ele faz parte do contexto da nossa sociedade. O esporte ensina, transforma a vida do indivíduo. É um fenômeno socioeconô­mico, no qual a cultura também está inserida. Quando alguma pessoa tenta nos ludibriar, não ficamos indignados? Se alguém fura fila, estaciona na vaga de idoso ou dá o troco errado, somos os primeiros a criticar. Qual o motivo, então, de festejarmo­s quando um atleta do nosso time engana um juiz ao se jogar dentro da área para cavar um pênalti? É uma contradiçã­o. Quando os jogadores, técnicos e todos os envolvidos no futebol são condescend­entes com a falta de fair-play, o reflexo negativo, a médio e longo prazo, também poderá ser visto na sociedade. Não que o esporte seja o responsáve­l pela construção do caráter de um ser humano, entretanto, principalm­ente na infância, onde os atletas servem cada vez mais de espelho para os garotos e garotas, a responsabi­lidade de todos aumenta bastante. Vamos criar potenciais corruptos? Esse é mesmo o nosso objetivo?

Não estamos pedindo santos e robôs dentro de campo. O poder de improvisaç­ão, criativida­de e ousadia do brasileiro está no DNA, faz parte do nosso perfil de jogador. O que temos que mudar, ainda assim, é essa imagem arranhada, construída ao logo de décadas de enganação. Por isso, quando aparecerem mais sujeitos como Rodrigo Caio, deveremos sempre aplaudi-los e refletir muito, afinal, pessoas como ele, com gestos pequenos e singelos, são capazes de mudar a cabeça de todos nós. Estamos com você, Rodrigo!

O futebol não é disputado dentro de uma bolha; ele faz parte do contexto da nossa sociedade. O mais chocante é que ser íntegro, como Rodrigo Caio, vira um verdadeiro acontecime­nto

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miro.palma@redebahia.com.br

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