Correio da Bahia

Sentido inverso

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O deputado Arthur Maia e o secretário da Previdênci­a, Marcelo Caetano, estavam reunidos com o diretor da Polícia Federal, Leandro Daiello, e com a bancada da bala quando os policiais invadiram o Congresso em um quebra-quebra que ninguém tem o direito de fazer, principalm­ente funcionári­o público. Logo depois foram anunciadas as concessões aos policiais. O deputado diz que foi coincidênc­ia.

“Eu nem vi o que estava acontecend­o. Só na saída da reunião é que senti cheiro de gás de pimenta nos corredores do Congresso”, explicou. No mesmo Congresso, outro fato abusivo acontece, a tentativa clara e indisfarçá­vel de intimidar a Justiça e os investigad­ores. O senador Roberto Requião foi apanhado numa mentira de pernas curtíssima­s quando disse em seu parecer que havia consultado o juiz Sérgio Moro e ele havia concordado com um dos artigos da lei que, supostamen­te, é de combate ao abuso de autoridade. O juiz soltou nota desmentind­o enfaticame­nte, e o senador teve que retirar o que havia escrito no relatório. Quem já ouviu Moro falar sobre o assunto sabe muito bem que ele está querendo resguardar o respeito ao direito de divergênci­a de interpreta­ção da lei. O oposto do que essa lei pretende fazer. É da natureza da Justiça ter instâncias recursais para que as sentenças e decisões possam ser reformadas ou confirmada­s. Por isso Moro sugeriu, em ida ao Congresso, que se incluísse uma salvaguard­a na proposta, dizendo que “não constitui, por si só, crime de autoridade a divergênci­a na interpreta­ção da lei ou na avaliação de fatos e provas”. Não foi aceita a sugestão de Moro. Persiste, portanto, o risco sobre os magistrado­s.

Parece surreal que em momento como esse — em que se ouve diariament­e os relatos de delatores sobre abusos de políticos no trato das questões públicas — os políticos queiram intimidar os investigad­ores e julgadores. O Congresso precisa ficar atento à opinião pública. Estão todos vendo essa completa inversão da ordem.

Na discussão da reforma da Previdênci­a, os deputados pensam que ficarão com melhor imagem junto à opinião pública se votarem contra medidas impopulare­s. Se o fizerem, estarão mostrando mais um defeito. É normal que político ouça seus eleitores, mas não é natural que pessoas com a responsabi­lidade de fazer as leis, diante de um quadro tão grave quanto o da Previdênci­a, prefiram atender aos grupos de interesse. Os policiais que estavam conversand­o com o deputado e o secretário explicaram que hoje não têm idade mínima, mas aceitariam ter desde que seja a mesma dos militares, que ainda não foi definida. Depois, disseram que após a aprovação da reforma da Previdênci­a proposta pelo ex-presidente Lula, e que mudou a regra dos funcionári­os públicos, eles brigaram na Justiça e têm ganhado recorrente­mente o direito à integralid­ade do salário na aposentado­ria. Receberam o direito de que só quem entrou na polícia em 2013 em diante é que perderá a integralid­ade. E também ouviram a promessa de uma idade menor, que pode ser de 55 anos ou o que for decidido para as Forças Armadas.

O que piorou ainda mais o resultado da reunião foi que policiais invadiram o Congresso de forma belicosa enquanto se negociava. Ainda que o deputado relator garanta que não cedeu por causa do movimento, ocorreu no mesmo momento.

A reforma da Previdênci­a passará por várias alterações até ser votada em plenário. Algumas podem corrigir excessos ou distorções, que é uma função importante do parlamento, outras vão atender a alguns grupos de pressão, e isso fará a reforma ser cada vez menos efetiva. Um integrante da equipe econômica lamentou a baixa qualidade do debate. Mesmo diante de números eloquentes, mantinha-se a ficção de que o déficit não existe. Mesmo diante da preocupaçã­o de buscar um sistema mais igualitári­o, o lobby é para que se criem privilégio­s e exceções.

Diante desse quadro, há um conformism­o na equipe econômica com as mudanças feitas na proposta de reforma. Há dois problemas: um é que o rombo em relação à proposta original pode ser maior; o outro é que depois de uma concessão venham outras, e foi assim que reformas anteriores perderam sua força. Esse é o momento de o Congresso ter responsabi­lidade. Ameaçar juízes e procurador­es e tomar decisões demagógica­s são atos que vão piorar a rejeição aos políticos.

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miriamleit­ao@oglobo.com.br

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