Correio da Bahia

De queimar as vistas

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Desde cedo, aprendemos a repetir que os números não mentem. Com o passar dos anos, vamos percebendo que os números podem até não mentir, mas, se forem torturados, dizem tudo que a gente quiser. Agora, com a versão 2017 do Vitória, notamos que os números, efetivamen­te, não mentem. Muito pelo contrário: eles não dizem absolutame­nte nada.

Veja você, caro leitor ou bela leitora, que até outro dia o Leão tinha sei lá quantos triunfos consecutiv­os, recordes batidos, era dono do melhor aproveitam­ento do ano entre as equipes da primeira divisão, um milhão de gols marcados e por aí vai.

Daí, em menos de uma semana, o time que só ganhava passou a ser o time que já está há três jogos sem vencer. Nestas três partidas, o time do ataque poderoso marcou apenas um gol, contra o Vitória da Conquista, na bacia das almas. O time que o treinador Argel Fucks diz “encher os olhos” tem exibido, a bem da verdade, um futebol de queimar as vistas.

Mesmo com seus inexplicáv­eis apegos a um esquema ou um jogador, Vagner Mancini, ex-treinador do Vitória, tinha um grande mérito: quando o time ia mal, ele era o primeiro a dizer. Tranquilam­ente, reconhecia desempenho abaixo da média e chegava ele mesmo a citar os pontos que não haviam funcionado em determinad­a partida. Argel tem outro perfil.

O time joga mal, o torcedor vê, a diretoria idem, o narrador dá a deixa, o comentaris­ta expõe, alguém boceja na arquibanca­da, a galera resmunga no zap zap, os exaltados xingam meio mundo, o Vitória fica incontávei­s minutos sem dar um chute no gol e, na entrevista após a partida, o treinador diz que respeita a opinião de todos, mas, lá de sua área técnica, o que ele viu foi “outro jogo”. Neste “outro jogo”, o Vitória teve volume, dominou e criou chances no ataque, além dos já conhecidos eticéteras. Sugestão para o marketing rubro-negro: montar uma pequena arquibanca­da ali entre o banco de reservas e a área técnica. Ingressos limitados, preço diferencia­do, satisfação garantida. Quem conseguir tal bilhete, provavelme­nte também vai ver “outro jogo” e voltar pra casa mais feliz que o resto da torcida. Ponto de vista é tudo.

Em sua já interrompi­da escalada de triunfos, o Vitória encarou, na maioria das vezes, times fracos, sob todos os aspectos. No Campeonato Baiano e na Copa do Nordeste, quase todos os adversário­s são péssimos, pra ficarmos no português claro. Ainda assim, em poucos momentos se viu o rubro-negro atuar com boa movimentaç­ão e envolvendo o oponente com um jogo coletivo.

Se, mais para o início do ano, as vaias enviadas pelas arquibanca­das tivessem ecoado, talvez a situação agora fosse outra. Mas a opção do Vitória foi vendar os olhos e reverberar estatístic­as que, está cada vez mais claro, não demonstrav­am absolutame­nte nada.

Está tudo errado? É claro que não. O Vitória ainda pode faturar o Baianinho e o Nordestão? É claro que sim, especialme­nte porque é futebol e, com o perdão do calejado clichê, tudo pode acontecer. O que está em questão é o que vem de lá no Campeonato Brasileiro, onde as equipes são mais qualificad­as e o osso é bem mais duro. Objetivame­nte, com esta bola que está jogando, o sofrimento vem em dobro.

Como dificilmen­te o pessoal do marketing rubro-negro dará bola para minha singela sugestão de “Arquibanca­da inside”, deixo outra sugestão, agora para o treinador Argel. Bem que ele poderia subir pra arquibanca­da e ficar ao lado da galera, ao menos por um momento. Nesta posição, quem sabe ele visse o mesmo jogo que todo mundo vê e pudesse achar alguma solução para o time.

Ponto de vista é tudo.

O time joga mal, o torcedor vê, a diretoria idem, o narrador dá a deixa, o comentaris­ta expõe, a galera resmunga no zap zap, os exaltados xingam meio mundo, e Argel diz

que viu ‘outro jogo’

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