Correio da Bahia

Tempos em conflito

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O processo no qual o empresário Léo Pinheiro falou está na reta final. Agora, falta ouvir o réu Lula, no dia 3 de maio. Depois, vêm as alegações finais e a sentença. Até o meio do ano deve sair a decisão, e a acusação ficou muito mais robusta. Do ponto de vista jurídico, Lula foi encurralad­o. Mas do ponto de vista político, ele ainda tem brechas. O país está prisioneir­o desses tempos em conflito. O tempo político e o tempo jurídico têm gritantes diferenças. Mesmo se Lula for condenado agora no processo do apartament­o do Guarujá, dificilmen­te o caso será julgado pelo Tribunal Regional em menos de um ano, porque o órgão tem muitos outros julgamento­s na frente. Assim, o país chegará em 2018, na hora do registro de candidatur­as, com Lula podendo sim ser candidato a presidente por causa de uma aberração jurídica. Nenhum réu pode assumir a Presidênci­a, mas um réu condenado em primeira instância pode ser candidato porque a lei da Ficha Limpa só impede que entre em disputa eleitoral quem foi condenado em duas instâncias. O STF precisará ser provocado para dizer se um réu pode ser candidato a presidente, já que existe o preceito constituci­onal de que uma pessoa nessa condição não pode assumir o cargo.

Há outro processo contra Lula no caso da guarda dos seus bens em depósito com documentos forjados, e também o uso do apartament­o de São Bernardo, ao lado do que mora. A denúncia sustenta que o apartament­o é de Lula, mas está em nome de um laranja. Lula diz que tem um contrato de aluguel desse imóvel e que declara no Imposto de Renda, mas não há qualquer prova de pagamento de aluguel por esta cobertura.

O sítio de Atibaia será uma terceira denúncia a ser apresentad­a pelo MP. Agora, com as delações da Odebrecht, o caso ganhou muito mais materialid­ade. Há outros inquéritos, como os de suspeita de tráfico de influência em financiame­ntos do BNDES em obras da Odebrecht no exterior. Juridicame­nte, Lula está numa encrenca sem saída e as últimas semanas foram terríveis para ele. A declaração de Léo Pinheiro é avaliada pelos que acompanham o processo como sendo “bombástica”, uma “pá de cal”.

O depoimento de Léo Pinheiro teve tantos detalhes que não tem verossimil­hança a tese da defesa de “versão fantasiosa”. Na verdade, os advogados do ex-presidente foram surpreendi­dos, tanto que as perguntas feitas por Cristiano Zanin ajudaram a revelar mais detalhes prejudicia­is ao seu cliente. O advogado José Roberto Batochio, que está de saída do caso, era o mais sênior dos defensores de Lula, apesar de Zanin ter assumido a liderança do processo, aumentando a taxa de erros. As perguntas a Léo Pinheiro foram uma ilustração patética disso: o advogado de defesa dando corda para o enforcamen­to do cliente.

O caso do apartament­o era tido como o mais fraco em termos de provas contra o ex-presidente. A acusação não considerav­a isso, e havia colecionad­o um volume importante de indícios. No momento da apresentaç­ão da denúncia, o MP usou a tese das “provas indiciária­s”, ou seja, todos os elementos apontando para uma mesma direção. A denúncia foi criticada pelo uso do powerpoint e dessa tese. Mas o que os procurador­es estavam falando ganhou na última quinta-feira muito mais força pela maneira espontânea e pela riqueza de detalhes com que o ex-presidente da OAS Léo Pinheiro descreveu inúmeras exigências feitas pelo ex-presidente e família na reforma do imóvel. Destaque para a crueza com que Léo disse a Zanin de onde veio o dinheiro: “foi de propina”. Ele descontou o gasto na propina que devia ao PT por obras na Abreu e Lima. Entre as esquisitic­es da corrupção no Brasil, existe a dívida de propina.

Várias denúncias, inquéritos, indícios, provas e processos rondam o ex-presidente. O que ronda o Brasil é o risco de que a eleição consagre um réu, possivelme­nte condenado, a um cargo que, por determinaç­ão constituci­onal, ele não pode exercer. Pessoas ligadas ao grupo político do ex-presidente já pensam em alternativ­as. Sempre haverá saídas políticas. O que parece não haver é saída jurídica para Lula. Mas isso é problema dele. O risco para o país é o de entrar numa situação explosiva e ficar prisioneir­o dessa gritante contradiçã­o jurídica.

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miriamleit­ao@oglobo.com.br

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