Correio da Bahia

O erro repetido

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Está acontecend­o com a reforma da Previdênci­a de Temer o que aconteceu com todas as outras. As pressões corporativ­as aumentam, o governo cede em partes, e cada vez há mais concessões a fazer. Depois, o governo decide que qualquer reforma é melhor do que nenhuma. Até o último momento os defensores de grupos de interesse vão tirando nacos do projeto. No fim, é aprovado um conjunto disforme e ineficient­e. A decisão do governo de fazer uma reunião no fim de semana para interrompe­r a escalada das concessões é boa, mas pode ser insuficien­te. O rolo compressor já começou e ele não vai parar. Uma das estratégia­s é tentar adiar para ver se assim aumenta a chance de aprovação do projeto. Pode ser mais um risco estratégic­o.

Desde o começo o governo perdeu a batalha da comunicaçã­o. Claro que é muito mais agradável ouvir a tese de que não há déficit. Se o problema não existe, não há com o que se preocupar. Recentemen­te, num debate, uma jovem de uma das favelas do Rio me perguntou sobre a inexistênc­ia do déficit. A teoria que ela repetiu é que se somarmos todos os impostos da seguridade não haverá déficit.

O curioso é que a jovem em questão, inteligent­e e de apenas 25 anos, trabalha, mas não vai se aposentar precocemen­te por vários motivos. Ela não está no mercado formal e, por isso, não está contando tempo de contribuiç­ão. Quando for a vez dela, a idade mínima pode até ser maior do que os 62 e 65 anos. Quem ganha com a informação falsa de que o déficit não existe são os que têm a proteção que não estará disponível para ela. A pergunta bem formulada mostra que os defensores da tese foram eficientes. E o governo não conseguiu neutraliza­r essa campanha. Não conseguiu mostrar como é injusta a proposta dos adversário­s da reforma de que todos os impostos que existem para cobrir a saúde e os programas sociais sejam dirigidos para financiar o sistema de pensão e aposentado­ria, no qual os que ganham mais se aposentara­m mais cedo.

O governo capitulou desde o primeiro momento quando deixou as Forças Armadas de fora. Daí em diante, foi criando exceções para grupos e profissões. Depois, diminuiu a idade mínima da mulher, apesar de só começar a valer apenas daqui a 20 anos.

O risco da reforma é ser fraca demais e não ser capaz de solucionar o problema. Funcionári­os receberem o salário integral quando se aposentam e ainda terem reajustes do mesmo percentual dos da ativa é um peso insustentá­vel para as contas públicas. Ao longo do tempo foram criadas algumas barreiras a essas duas prerrogati­vas. Mas o fato é que o funcionali­smo público federal tem um déficit de R$ 77 bi, apesar de serem apenas um milhão de beneficiár­ios. Do ponto de vista relativo, é o déficit mais alto do Brasil. Os funcionári­os de estatais sempre tiveram o privilégio de ter o governo poupando em seu nome. Durante anos, o Tesouro aplicou nos grandes fundos de pensão um valor muito maior do que o aportado pelos beneficiár­ios. Agora, uma parte desse sistema de aposentado­ria, capitaliza­do pelo dinheiro público, está ameaçado pelos erros cometidos nos governos do PT de impor aos fundos das estatais investimen­tos em projetos que não deram retorno. O “Estadão” publicou na edição de ontem que o déficit atuarial dos fundos chegou a R$ 70 bilhões. Era R$ 9 bilhões em 2012. Projetos e parcerias como Sete Brasil, Invepar, Oi, hidrelétri­cas da Amazônia jogaram prejuízo sobre os fundos. Em alguns casos, houve desvio diretament­e, como o que atingiu a Postalis. Funcionári­os dos Correios que se aposentam agora estão sendo obrigados a contribuir com 30% do que ganham para reequilibr­ar o fundo.

Não há um problema da Previdênci­a, há vários. Há o desequilíb­rio do INSS, o déficit dos servidores federais, o rombo dos servidores estaduais. Isso tudo somado é um buraco de mais de R$ 300 bilhões por ano. O déficit dos fundos de pensão é outro problema que exigirá recursos das empresas públicas. Normalment­e, a patrocinad­ora e os beneficiár­ios dividem a conta do fiasco.

É claro que o governo tem que fazer algo mais do que a reforma, como cobrar as dívidas com o INSS, como as do JBS por exemplo. E tem que rever os abusos das isenções previdenci­árias. Mas é irresponsa­bilidade com o futuro defender grupos de interesse em vez de olhar a necessidad­e do país em assunto tão grave. Mas é o que está acontecend­o neste momento. E, nesse olhar para os interesses particular­es, o Congresso está perdendo a visão de conjunto.

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miriamleit­ao@oglobo.com.br

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