Correio da Bahia

Por um triz

- Thais Borges thais.borges@redebahia.com.br

Pouco mais de cem metros separam um casarão que fica no pé da Ladeira da Soledade, no Barbalho, do local da tragédia da última segunda-feira, quando outro casarão – igualmente antigo e tombado – desabou sobre uma casa, matando três pessoas e deixando duas feridas. A responsabi­lidade de manutenção dos imóveis tombados é do proprietár­io ou, se ele não puder, do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac), órgão do governo do estado.

Agora, no pé da ladeira, o motorista Fernando Jacó, 56 anos, encara o imóvel sem teto – e literalmen­te caindo aos pedaços – e teme que o que aconteceu perto dali seja um vislumbre do futuro. Ele trabalha em uma oficina vizinha ao edifício. “Aqui passa criança, idoso, estudante e os cegos que vão para o Instituto (dos Cegos da Bahia, próximo dali). É um perigo. Qualquer coisa que cair pode matar mais alguém. Parece que (os órgãos públicos) estão esperando acontecer outra tragédia na Soledade”, desabafa.

O medo de Fernando não é à toa – nem um caso isolado. Atualmente, a Defesa Civil de Salvador (Codesal) está fazendo um novo levantamen­to dos casarões que correm risco de desabament­o na cidade. Segundo a Codesal, existem ao todo 500 casarões com algum problema estrutural no município. O órgão está atualizand­o o relatório técnico que tem sobre o assunto. Até o momento, 250 já foram avaliados e, desses, 122 oferecem alto e médio risco de desabament­o. Ou seja, a lista ainda pode aumentar.

O CORREIO passou ontem em dez imóveis ameaçados. Hoje, o casarão que assusta Fernando é decorado por objetos antigos coletados pelo gesseiro Edmilson Conceição, 48, no lixo. Ele diz que coloca os utensílios para deixar mais bonito, mas não esconde a tensão por trabalhar ali. “Toda hora cai coisa e está cheio de rachadura. Alguns órgãos já vieram aqui. Todo mundo vem, mas ninguém volta”.

Segundo os dois, o imóvel é habitado por usuários de drogas à noite. “Virou ponto de drogas, de assalto, de ladrão. Tem ladrão que se esconde aí, para aproveitar que não tem iluminação”, completa Fernando.

VULNERÁVEI­S E EXPOSTOS

No mesmo Barbalho, o Instituto dos Cegos da Bahia vive seu próprio drama. Na esquina das ruas São José de Cima com a São José de Baixo, a poucos metros da sede do instituto, há um casarão tombado que tem preocupado quem anda e vive por ali. O imóvel figura na lista de ‘risco alto’ de desabament­o da Codesal desde 2009.

Deficiente visual e professora do instituto, Gláucia Queiroz passa pelo local diariament­e. “Sempre que ando ali, passo até com um pouco depressa por dois motivos: medo de assalto e medo de desabament­o. Por aqui, tem muitos casarões e a gente passa muitos riscos”.

O problema é o mesmo da estudante Jucélia Sousa, 42, que tem baixa visão e é aluna do instituto há três anos. “Minha menina sempre fala que tem muito medo quando estamos passando pelo casarão, de algo cair. No meu caso, é até bom não enxergar, nesse aspecto, para eu não ficar com tanto medo”, admite. A diretora do Instituto dos Cegos, Laura Pinheiro, diz que a entidade já entrou em contato com órgãos públicos, mas a situação continua a mesma. “Inclusive, ele (o casarão) trepida”.

Segundo a aposentada Lúcia Leal, 67, que mora numa casa em frente ao casarão desde 1965, ali, por muito tempo, funcionou um açougue. Além disso, nos pavimentos superiores, havia um pensionato. No entanto, um incêndio, no início dos anos 2000, praticamen­te destruiu o imóvel.

Ela diz que o dono não é visto há anos. Nos últimos tempos, outros vizinhos chegaram a fazer intervençõ­es por conta própria. Com medo de desabament­o, alguns colocaram vigas de ferro no entorno da casa.

Além disso, para evitar invasões, decidiram fechar as janelas com cimento. “Eu já cansei de passar email para esses órgãos virem aqui olhar a estrutura, mas não deu em nada”, conta Lúcia.

MEDO PERMANENTE

No Comércio, a Rua do Julião tem uma sequência de casarões com risco de cair. De 2009 para cá, pelo menos dois desabaram. Um deles fica em frente à casa do pedreiro Rogério Barbosa, 42. De acordo com ele, está há mais de 40 anos vazio. “Esse aí não tem teto, não tem banheiro, não tem nada, como naquela música. Vários órgãos já vieram aqui e não deu em nada. Só fica isso aí fazendo medo na rua”, diz.

Um dos imóveis que estavam na lista da Codesal em 2009 foi recuperado – segundo moradores – há alguns anos. Na época, o imóvel do lado, o nº 57, já tinha desabado.

“Como é que não tem medo? A gente orienta os meninos a não brincar por ali. As pessoas (responsáve­is) até aparecem aqui, mas só olham e vão embora. Estão esperando acontecer algo para se manifestar?”, diz uma mulher, moradora do local há 29 anos, que não quis se identifica­r.

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Casarão na esquina das ruas São João de Cima e de Baixo provoca medo em quem tem que passar por ali

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