A institucionalização da estupidez
Hoje promete ser um dia histórico. Dia em que o povo baiano conquistará a tríplice coroa: já não tínhamos boa segurança pública, nem um Judiciário eficiente e agora não resta sequer um clássico de verdade para nos distrair dos outros dois problemas. Parabéns aos envolvidos.
A torcida única é a medida mais tacanha possível. É transferência de responsabilidade, infelizmente um traço comum nessa sociedade falida que formamos. Não há sequer criatividade: a Bahia é tão provinciana que regride para copiar (com atraso) um modelo utilizado em São Paulo e Minas Gerais, quando a evolução natural seria paulistas e mineiros superarem seus problemas até conseguirem novamente disputar os clássicos como eles são por essência, com torcida dividida. O Gre-Nal abriu caminho e o Ba-Vi estava junto na vanguarda ao promover a volta da torcida mista no último clássico, com consenso entre Bahia, Vitória, FBF e Polícia Militar. E sem nenhum registro de violência dentro da Fonte Nova.
O Estado não garante segurança e a culpa recai sobre os clubes e os cidadãos. Se o Bahia tomou as medidas que lhe cabiam como mandante no Ba-Vi do dia 9 de abril, é absurdo que ele, o Vitória e os torcedores acabem punidos por uma briga que aconteceu nos arredores da Fonte Nova antes do jogo começar e por um crime que aconteceu também fora do estádio depois do clássico. Tão absurdo quanto mais de 99% dos torcedores pagarem pelos atos de menos de 1%, que são os criminosos e devem ser tratados como tal.
Em resumo: o problema não está dentro do estádio, onde os clubes são responsáveis pelos acontecimentos, e sim fora. Na rua, no ponto de ônibus, no metrô, em todo lugar onde a polícia já não consegue controlar a criminalidade há muito tempo. Em todo lugar onde o errado sou eu por vacilar e sair com relógio, por usar o celular dentro do ônibus, por estar de bobeira em uma loja de conveniência - como o torcedor Carlos Henrique, morto por bandidos armados. Adotar torcida única significa considerar que a solução para reduzir a criminalidade é não sair de casa. Assim fica fácil melhorar estatísticas. Mas merecemos uma solução, no mínimo, racional. O problema não é a torcida, é o crime. Todos conhecem os criminosos e sabem como eles agem.
Sabe quando isso vai mudar? Há duas possibilidades: a mais preguiçosa é esperar o futebol paulista perceber que a torcida única não é solução e, alguns anos depois do cenário mudar por lá, copiar a medida por aqui. A mais sábia é clubes, torcedores, federação e agentes públicos não aceitarem essa institucionalização da estupidez e buscarem uma solução. Requer coragem. Uma terceira, que não levo em conta, seria acreditar que a segurança pública vai melhorar a curto prazo.
Torcida única considera que
a solução para reduzir a criminalidade é não sair de casa. Mas merecemos uma
solução, no mínimo, racional. O problema não é
a torcida, é o crime
CAMPANHA OU FANTASIA?
É possível garantir a presença de tricolores e rubro-negros nos estádios. Um caminho é o judicial, através de liminares. Outro é lúdico: uma campanha encabeçada pelos dirigentes do Bahia e do Vitória convocando não o seu torcedor para o clássico, mas o torcedor do time adversário a comprar o ingresso do clube mandante e ir ao Barradão, hoje, e à Fonte Nova, domingo. Afinal, a proibição é restrita à venda de ingresso do setor visitante, mas nenhum torcedor pode ser proibido de ir ao estádio. Seria uma resposta clara e inteligente de que o verdadeiro torcedor de futebol não é idiota. Basta comprar o ingresso do mandante e entrar no estádio, como era antes da setorização.
Detalhe importante nesse sonho idealista: óbvio que criminosos organizados tentariam cometer crimes (perdão pela redundância, mas só há esta palavra) nas imediações do estádio. E que os torcedores de boa índole, que são a esmagadora maioria, dependeriam do poder público saber conter os bandidos de sempre. Mas não é assim toda vez que você vai à farmácia?