Correio da Bahia

Amor aos caboclos

- NILSON MARINHO

Com pouco mais de 1,5 metro de altura, a restaurado­ra Marley Serra Valle, 73 anos, tenta escalar a carruagem que chega a medir cinco metros. Com grande esforço, mas sem êxito, a senhora, que há 20 anos exerce o ofício de restaurar e preservar obras antigas, dispensa a ajuda de qualquer um que se preocupe com ela: “É para não perder a prática”.

O esforço vale a pena, pelo menos para Marley e milhares de pessoas que, no Dois de Julho, saem às ruas para acompanhar o desfile cívico em homenagem à libertação da Bahia das mãos dos portuguese­s.

É no carro que estão os maiores símbolos da Independên­cia da Bahia - o Caboclo e a Cabocla. E são eles os responsáve­is por causar durante todo o ano ansiedade em Marley. “Fico esperando que chegue para que eu possa prestar todos os cuidados devidos”.

Nem sempre ela está entre os profission­ais do Stúdio Argolo - empresa responsáve­l por conservar as peças - escalados para o serviço. Porém, durante os 20 anos que está na empresa, perdeu as contas de quantas vezes este papel foi seu.

Às vésperas da chegada do fogo simbólico que parte de Cachoeira, no Recôncavo, e chega a Salvador um dia antes do desfile cívico, as esculturas não parecem as mesmas sem os adereços que costumam adorná-las. “Reparamos todas aquelas fissuras que os caboclos ganham durante o trajeto, depois de passar por ruas de pedras irregulare­s”, explica.

O trabalho precisa ser cirúrgico. Nada pode estar fora do lugar antes que os dois, carregados por voluntário­s, passem pela porta do Pavilhão 2 de Julho, no Largo da Lapinha. É justamente por isso que Marley e o colega de profissão, Roberto Lima, 41, estão no pavilhão desde a última terça-feira, encarregad­ores de reparar os danos causados pelo cortejo.

Diferentem­ente da sua colega, Roberto não tem muito apreço pela festividad­e e considera a atividade como outra qualquer. “Nem saio de casa. Não sou muito apegado a isso”.

O cortejo do último ano rendeu muitas fraturas, ou melhor craquelês - como são chamadas as rachaduras principalm­ente para a Cabocla, que chegou ao local com várias fissuras nas pernas e nos braços. O caboclo estava melhor estado, apesar da quantidade de fissuras ter sido maior. Ele foi atingido nos ombros, pernas e cabeça.

A restaurado­ra só deixa o Pavilhão hoje, quando outra equipe fica responsáve­l por vestir os caboclos para festa. Mas a relação com as imagens, vai além da profission­al. “São várias pessoas que interrompe­m os nosso trabalho pedindo para chegar perto das peças, seja para tocá-los, deixar um bilhete de agradecime­nto ou simplesmen­te para apreciar. Não tem como resistir é muito emociante”, conta. Ela só volta a vê-los no domingo, quando, com emoção, chora ao ver as imagens sendo reverencia­das pela população “Faz parte da fé do baiano e eu como uma legítima não poderia deixar de ter”.

9h As bandeiras do Brasil, da Bahia, de Salvador e do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB) são hasteadas sob a execução do Hino Nacional pela Banda de Música da Marinha do Brasil. Em seguida, os carros emblemátic­os do Caboclo e da Cabocla são entregues pelo presidente do IGHB, Eduardo Morais de Castro, para que desfilem pelas ruas do bairro da Liberdade, Santo Antônio Além do Carmo, Pelourinho e Avenida Sete de Setembro em direção ao Largo Dois de Julho (Campo Grande)

9h30 O cortejo que acompanha os carros do caboclo e da cabocla sai da Lapinha

17h A comemoraçã­o é encerrada, no Campo Grande, em ato simbólico de hasteament­o das bandeiras do Brasil, Bahia e Salvador, colocação de coroas de flores no monumento ao 2 de julho pelas autoridade­s presentes e acendiment­o da Pira do Fogo Simbólico pelo atleta cabo da Polícia Militar da Bahia, José Francisco Rodrigues

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Marley há 20 anos cuida da restauraçã­o dos caboclos
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Roberto diz que faz o trabalho como outro qualquer

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