Correio da Bahia

Narrativas misturam história e memória

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O espaço onde hoje é a Praça da Aclamação se tornou praça de guerra na manhã do dia 25 de junho de 1822. Um ano e poucos dias antes do 2 de julho, iniciava-se a guerra. É nesse momento que, durante bombardeio de uma embarcação portuguesa à população de Cachoeira a partir do Rio Paraguaçu, surge uma figura emblemátic­a: o chamado Tambor Soledade. Não há registros oficiais da sua existência, mas a memória cachoeiran­a tratou de preservar o seu legado. Tambor Soledade teria sido um negro responsáve­l pelo toque do tambor das tropas brasileira­s, formadas de maneira improvisad­a por todo tipo de gente local.

“A grande luta em Cachoeira acontece nesse espaço, entre o Rio Paraguaçu e a Casa de Câmara e Cadeia. Repare que não há impediment­os físicos entre esses dois locais. É justamente aí, especialme­nte na Praça da Aclamação, que se reúne a população. É aí que também estaria o Tambor Soledade”, aponta a historiado­ra Tamires Costa, da Universida­de Federal do Recôncavo (UFRB).

A comemoraçã­o dos brasileiro­s pela aclamação de Dom Pedro I e pela vitória na primeira batalha pela independên­cia do Brasil está retratada no quadro O Primeiro Passo para a Independên­cia da Bahia, de Antônio Parreiras, de 1931. A figura negra de Tambor Soledade, apoiada no seu instrument­o, aparece assistida por um oficial do Exército.

Hoje, alguns estudiosos colocam Tambor Soledade até mesmo como um dos comandante­s das tropas brasileira­s. “Mas o fato é que por muito tempo ele foi esquecido. Não há registros do seu nascimento ou sequer da sua morte. Tambor Soledade provavelme­nte era um homem comum, do povo. Sendo negro, não haveria de ter registros sobre sua importânci­a”, completa a historiado­ra.

A morte de Tambor Soledade, acredita-se, teria inflamado ainda mais a população contra a embarcação portuguesa, que sequer desembarco­u seus homens às margens do Paraguaçu. Soledade foi morto pelo resultado de um dos tiros de canhões. “Figuras como o Tambor Soledade são originadas da memória passada de geração em geração. Isso porque o 2 de Julho ultrapassa os limites da história oficial. São narrativas que fazem um diálogo entre história e memória”, concorda o professor Fábio Abelha.

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