Ferrari à baiana
Com apenas 23 anos, o jovem auxiliar de cabeleireiro Geovane Félix Ramos dos Santos ostenta há duas semanas a sua “ferrari” pelas ruas da pacata Paramirim, cidade de 26 mil habitantes, na região sudoeste da Bahia.
Ele não ganhou na megasena, muito menos nasceu em berço de ouro. Filho de serralheiro, Geovane cresceu entre o ambiente de trabalho do pai e uma oficina de conserto de motos, realizando serviços nos dois locais.
As duas atividades deram a ele o conhecimento para realizar o sonho de ter um modelo único do icônico carro italiano. Mas não um desses vendidos na concessionária da verdadeira Ferrari, em São Paulo, por R$ 4,4 milhões, preço do modelo LaFerrari Aperta, o mais caro.
A “ferrari” de Geovane, na verdade, tem motor de motocicleta de 200 cilindradas, painel de Del Rei, lataria da sucata da lateral de um ônibus, caixa de marcha de Gol e volante de fusca. As rodas de aro 17 foram construídas por ele mesmo, assim como os bancos e o chassi.
Encomendou apenas os vidros escuros, feitos sob medida, e ele mesmo pintou o carro. Bem mais barato que o original, o modelo sob medida de Geovane custou R$ 6 mil. Pesando 500 kg, o carro também corre bem menos que o original e, no máximo, chega aos 40km por hora.
“Fiz só para dar uma voltinha aqui na cidade mesmo”, disse ele, que não tem Carteira Nacional de Habilitação (CNH). O carro tem lugar para duas pessoas. A placa também foi criação dele, com o nome “Itália” e a identificação “G2017V”. Um ‘g’ de Geovane e o ‘v’ da mulher, Vanessa.
“Comecei aos poucos a construir o carro nos fundos da oficina do meu pai. Comecei pelo chassi, depois as rodas. A parte elétrica é toda de moto, fui fazendo as adaptações. A ignição é eletrônica, todos os faróis e piscas dianteiros e traseiros funcionam, assim como a luz de freio”.
O rapaz já achou gente interessada em trocar o modelo por um convencional, mas ele não quis, até porque está aproveitando o sucesso da sua “Ferrari”. Dia 1º de setembro vai expor o veículo em um evento de motociclistas, em Paramirim.
Geovane, agora, quer montar um Lamborguini Aventador, “daquelas que abrem as portas para cima. Mas vamos ver se consigo o dinheiro”, diz o rapaz que, aos 14 anos, criou uma moto com motor de fusca, no estilo da Harley-Davidson, trocada por um veículo Escort que valia, segundo ele, cerca de R$ 4 mil na época.
O dom de criar vem de família. O pai de Geonave, José Félix dos Santos, na década de 1980, construiu um avião híbrido para dois ocupantes, com motor de Volkswagen, que não chegou a voar, mas foi exposto para os moradores da cidade.
Em Paramirim, a “ferrari” de Geovane é o assunto mais comentado desde que ele colocou o carro para rodar. “Ele fez o carro escondido, ninguém sabia. Todo mundo ficou admirado com a inteligência dele”, disse o amigo Ronaldo Oliveira de Almeida, 34, gerente de um supermercado local.
A atendente de farmácia Rosângela Cristina Santos Silva, 35, achou o carro “inovador” e a atitude de Geovane “corajosa”. “Não vi ainda o carro ao vivo, só fotos, mas adorei. Quem não quer andar de Ferrari,?”, comentou.
Geovane diz que não está tendo problemas com as autoridades de trânsito para rodar com o carro em Paramirim. Mas, segundo o advogado especialista em trânsito João Paulo Ribeiro Martins, para regularizar a situação, basta o inventor ir até o Departamento Estadual de Trânsito (Detran) e dar entrada no pedido de registro de produção independente.
“Os próprios órgãos públicos fornecem, por exemplo, o número do chassi. E aí ele vai ter de fazer outras coisas, como a vistoria presencial, emplacamento, etc. Tudo com base nas leis de trânsito vigentes no Brasil”, orientou.