Deusa do Ébano e da PM
A profissão exige da policial militar Milena Selina dos Santos, 40 anos, uma certa seriedade e atenção, sobretudo no período de Carnaval, quando ela, ao lado dos seus colegas, garante a segurança de milhões de foliões. No entanto, em um único momento da festa, o peso da farda é deixado de lado e o corpo responde ao som dos tambores que anuncia a entrada do Ilê Aiyê na avenida.
E foi assim, ao som do grupo da Liberdade, que a policial ficou conhecida nas redes sociais depois de dançar, imitando os passos de uma Deusa do Ébano, durante uma entrevista para o CORREIO. O vídeo, originalmente publicado no perfil do jornal, coleciona cerca de 100 mil visualizações, mas foi nos grupos de conversa do Whats App que ele teve maior repercursão, em especial na cidade do Rio de Janeiro.
É que, por lá, os policias baianos foram confundidos com os guardas municipais cariocas e a dança de Milena foi entendida como uma forma de protesto, já que um questionário distribuído pela prefeitura do Rio, chefiada por Marcelo Crivella (PRB), desagradou a alguns servidores. No formulário, os profissinais deveriam informar a religão e dizer se eram ou não praticantes.
A repercursão pode ter sido grande, mas não o suficiente para assustá-la. Afinal, a PM domina os palcos e já está mais que acostumada com o reconhecimento do público. Além de policial ela é atriz e há 19 anos faz parte de um grupo teatral da PM-BA que leva aos abrigos, asilos e escolas peças teatrais com a intenção de aproximar a comunidade da corporação.
Vem daí o jeito da policial para câmeras e, sobretudo, para dança. Porque foi nos ensaios do grupo, que acontecem pelo menos uma vez na semana, na sede da Seção de Artes do Departamento de Comunicação Social da PM, no Pelourinho, que ela começou a galgar os primeiros passos nas aulas de dança afro, oferecidas por uma outra PM. Mas a vontade que ela cultivava desde a infância de integrar o bloco carnavalesco só pôde ser realizado mesmo no ano passado, depois que o grupo teatral foi convidado a participar da Noite da Beleza Negra, momento em que a Rainha do Ilê é coroada. Na Senzala do Barro Preto, a PM, que também é formada em Direito, foi convidada a subir ao palco para encenar um trecho da peça Ópera de Cidadania que, inclusive, tem o roteiro e direção feitos pelos próprios colegas de profissão.
E foi assim que, mesmo fardada, enfim, ela pôde se sentir uma Deusa do Ébano. “Para mim, enquanto mulher negra e policial militar, foi um orgulho muito grande entrar na Liberdade onde, geralmente, a polícia entra de forma repressiva. Eu, naquela noite, estava ali de forma preventiva, por meio da minha arte. Foi gratificante”.
De lá pra cá, enquanto está à paisana no Pelourinho, uma vez ou outra, a PM é parada e elogiada pela desenvoltura e traquejo que tem em cena.
O elogio também é dado pelos companheiros da corporação. “Eu tenho que estar sério o tempo todo, por que eu não posso sorrir? Nós policiais também somos parte dessa comunidade e, acima de tudo, somos baianos e a Bahia usa a cultura e a arte para tudo”, diz o capitão Elton Santana.
O grupo teatral da PM existe há 19 anos e, ao longo desse tempo, cerca de 800 mil pessoas já assistiram as peças teatrais promovidas pela trupe. Atualmente, 19 policiais entram em cena para aproximar a comunidade da corporação. O sucesso do grupo é tão grande que já foi até objeto de pesquisa nos Estados Unidos, quando os policiais foram convivados a viajar ao país para se apresentarem por lá. E as apresentações são tantas que, há um ano e meio, os integrantes deixaram de ir às ruas, para se dedicar aos palcos. Exceto em grandes eventos, como Carnaval, eles agora apenas trabalham de forma preventiva, como costumam chamar as apresentações.