Crônica de um fracasso anunciado
O noticiário policial dos últimos dias expôs com clareza o fracasso das políticas de segurança pública diante da escalada de violência que transformou a Bahia em palco da criminalidade sem controle. Ao longo da semana, facções do tráfico ordenaram toques de recolher em diversos bairros de Salvador e de cidades da Região Metropolitana, onde os moradores já convivem diariamente com altos índices de assaltos, homicídios, estupros e toda sorte de delitos graves. Para completar, a desastrada invasão da PM a um terreiro de candomblé na Liberdade tornou ainda mais evidente a ineficácia do governo estadual no combate ao banditismo.
De maneira atrapalhada, policiais arrombaram portas, acessaram espaços sagrados da religião de matriz africana e apontaram armas para o babalorixá Amilton Costa e um dos filhos de santo do terreiro. Apesar dos pedidos de desculpas e das garantias de apuração por parte das autoridades, o que espanta é a origem da lambança: uma operação da Patamo, justamente a unidade recém-criada pelo governo com objetivo de ocupar locais da cidade dominados pelo tráfico e marcados por confrontos entre PMs e criminosos.
Não se pode admitir com naturalidade que uma companhia especializada, apresentada como solução emergencial para desarticular bandos fortemente armados, comande ações cujo resultado indica a ausência de planejamento tático e eficiente. Sem falar da questionável estratégia de ocupação policial em comunidades carentes e violentas. Tal método se revelou um fiasco quando foi adotado nos morros mais perigosos do Rio de Janeiro. Basta ver como está hoje a Cidade Maravilhosa.
Em alguns casos, ocorreu somente a troca de facções por milícias oriundas da própria PM carioca e igualmente dedicadas ao crime. Como dezenas de pesquisadores sobre o tema alertam, há décadas, de nada adianta a polícia tomar o controle de um ponto do tráfico se o Estado não ocupar também o mesmo espaço de modo permanente, através da oferta de serviços públicos e ações sociais com largo alcance.
O que a população de Salvador vem testemunhando no dia a dia é efeito de falhas básicas na condução da segurança pública por parte do governo estadual. Em especial, a inexistência de um plano de curto e longo prazo. Isso fica patente quando se observa o crescimento gradual das estatísticas de violência desde 2005. Sucessivos estudos comprovaram o salto da criminalidade na Bahia durante esse período e colocaram as cidades do estado entre as mais sangrentas do Brasil.
No entanto, os dados são desqualificados com frequência pela da cúpula do governo, embora fundamentados em fontes confiáveis. Em semelhante compasso, culpam a cobertura da imprensa ou adversários políticos pelo naufrágio na área, como se ambos fabricassem os episódios que se repetem com maior intensidade na Bahia.
Equipar e treinar a polícia, criar unidades de elite, aperfeiçoar o trabalho de investigação criminal, melhorar salários e cobrar resultados são partes importantesdabatalhacontrao crime. Sobretudo, quando não se restringem à peça de propaganda. Corrigir distorções na Justiça, melhorar o sistema penal e envolver prefeituras e sociedade, idem. Mas nada disso terá efeito positivo sem a devida atenção de quem tem a principal responsabilidade de proteger a vida do cidadão.