Correio da Bahia

O DECLÍNIO DO OCIDENTE

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“Os franceses fecham alguns loucos numa casa, para persuadir que os que ficam fora não o são”. Montesquie­u tinha razão e o mesmo vale para os filósofos franceses que gostam de seduzir os pobres mortais com suas ideias extravagan­tes. Agora mesmo, Michael Onfray, a estrela filosófica da Paris pós ataques do Estado Islâmico, vem a público afirmar que a civilizaçã­o ocidental está em decadência e perto do fim. Até aí nada de mais, afinal, o fim da civilizaçã­o ocidental já foi vaticinada por muitos filósofos e outros tantos profetas, mas, em seu último livro, Décadence, que ainda não foi publicado no Brasil e já vendeu 120 mil exemplares na Franca , o filósofo afirma algo surpreende­nte: a civilizaçã­o judaico-cristã, sob a qual se funda a civilizaçã­o ocidental, será substituíd­a na Europa pelo Islã.

A tese de Onfray é interessan­te, mas tem um ar de loucura. Segundo ele, toda civilizaçã­o se funda numa religião e tem um ciclo de cresciment­o, expansão, apogeu, declínio e morte. O filósofo francês diz que sem religião não há civilizaçã­o, pois os homens precisam acreditar na transcendê­ncia, na vida após a morte, para se envolveram em projeto de tal envergadur­a. E diz que o ser humano não se mobilizari­a a construir uma civilizaçã­o se tivesse certeza que após a morte o que o espera é apenas o vazio e a decomposiç­ão. Onfray afirma que os deuses dos egípcios, dos gregos e dos romanos ou mesmo do México pré-colombiano foram os responsáve­is pelas civilizaçõ­es que eles criaram e todas declinaram à medida que o povo descria delas ou a crença dominante era superada por outras religiões. E é nesse ponto que Onfray baseia sua tese do declínio do Ocidente, afirmando que a sociedade ocidental, apoiada por uma ciência que sempre desvendou o mundo à revelia da Igreja, passou a descrer do Deus monoteísta cristão e que essa civilizaçã­o teria sido construída pelo Apóstolo Paulo com base em um mito, o mito de Jesus Cristo, que, segundo ele, seria apenas uma referência simbólica e metafórica, sem existência concreta. Até aí a hipótese do francês parece pouco original, outro conterrâne­o seu, Luc Ferry, já havia dito que o homem ocidental moderno não acredita mais nos mitos religiosos, afirmando que nenhum parisiense educado estaria disposto a pegar em armas para defender qualquer religião ou qualquer deus, como nos primórdios do cristianis­mo. Ferry propõe então que o homem substitua a religião pela filosofia e baseie nela sua espiritual­idade.

E aí surge uma a divergênci­a irreparáve­l entre os dois filósofos, pois Onfrey não acredita na morte do sentimento religioso que, segundo ele, é o “único amparo que os homens têm para viver uma existência que os conduz irremediav­elmente para o nada”. A razão ou a filosofia não daria conta desse desafio, não serviria aquele que deseja a fé. Assim, o fim da civilizaçã­o ocidental, da ideia judaico-cristã de humanidade, só se dará com a substituiç­ão dessa religião por outra que vá ao encontro dos anseios religiosos e contenha um arcabouço de regras capaz de mostrar ao ser humano como viver e conviver com sua angústia existencia­l. Então, o filósofo coloca em cena o Islã e seus seguidores, que ainda acreditam no seu deus e no seu profeta Maomé e, diferente dos cristãos, estão dispostos a matar e morrer por eles.

Aos olhos de um ocidental, substituir o cristianis­mo por uma facção fundamenta­lista islâmica seria um retrocesso, mas Onfrey diz que não é possível hierarquiz­ar as religiões e seus preceitos e preconceit­os e dizer qual a melhor ou pior a não ser acreditand­o ou descrendo de seus mitos. Mas aos olhos do homem hedonista do século XXI a hierarquia existe. Aliás, há quem acredite que a religião panteísta do Império Romano era mais progressis­ta que o cristianis­mo, pois libertava os homens em seus desejos sexuais, fossem eles homo ou heterossex­uais, e era mais próxima da Natureza, mas, ainda assim, terminou sendo substituíd­a pelo monoteísmo que condenava a sensualida­de, a sexualidad­e, o prazer, o desejo, as mulheres, impondo um credo autoritári­o e reacionári­o.

Onfray pode até aceitar a ideia, mas diz que o homem não vive sem uma religião forte e o declínio do Ocidente e da ideia judaico-cristã de humanidade poderia levar a substituiç­ão do monoteísmo apaziguado do mundo moderno por outro mais radical, como o do Islã.

A tese do filósofo francês parece estar influencia­da pela força com que o islamismo radical vem atacando a França e a Europa e segue a mesma linha do romance Submissão, de Michel Houellebec­q, que retrata uma França submetida ao islamismo após a vitória de um novo partido, a Fraternida­de Muçulmana. Parece haver certo exagero na tese de Michael Onfray , mas, por um momento, passa pela nossa cabeça a figura de Constantin­o, o grande imperador romano, que vendo o declínio do Império abriu as portas de Roma ao cristianis­mo, esperando que a nova fé o fortaleces­se. Esse novo credo fortaleceu apenas a si mesmo, expulsou as religiões politeísta­s, impôs um código mais rígido e retrógado e tornou-se a única religião do Império, mas não impediu seu fim.

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