Correio da Bahia

Atentado ao Esporte

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Há um ano, o Brasil vivenciou a experiênci­a ímpar de sediar os Jogos Olímpicos. Milhares de turistas, de todo o mundo, durante dezenove dias, vibraram, se emocionara­m e conviveram, em plena harmonia e congraçame­nto, na maior festa do esporte, mantendo acesa a chama do “espírito olímpico”, repetindo, dois anos depois, o grande sucesso popular da Copa do Mundo de 2014.

Infelizmen­te, contudo, de forma contraditó­ria às atmosferas de alegria e harmonia que contagiara­m milhões de brasileiro­s e estrangeir­os nos dois maiores eventos mundiais, realizados em um curto espaço de tempo, em nossa terra, manchetes dos noticiário­s esportivos voltaram a se confundir com as dos noticiário­s policiais, com o retorno da violência entre torcidas de futebol nas principais cidades do país.

Cenas lamentávei­s de brigas entre grupos de “torcedores” (seriam de fato?) e manifestaç­ões de pesar por mortes ocorridas nos perímetros das praças esportivas voltaram a ganhar espaço, suplantand­o a essência do debate esportivo e fazendo ressurgir uma famigerada e extrema solução de combate a tais práticas condenávei­s: a torcida única nos estádios, presente já há algum tempo no sudeste do país e recém chegada aos estádios baianos.

Como apaixonado por muitos esportes, e em especial pelo futebol, formei parte do meu caráter frequentan­do a velha Fonte Nova. Naquele saudoso espaço, tive a oportunida­de, por muitas vezes, de conviver com tricolores e rubro-negros torcendo juntos por seus times, lado a lado, sem qualquer tipo de conflito, salvo as saudáveis gozações entre rivais que se tornam amigos, adversário­s, e nunca inimigos, que em mais de oito décadas ajudaram a forjar um dos traços mais marcantes da cultura do nosso estado.

Na “terra da alegria”, o futebol sempre cumpriu bem o seu papel, unindo pessoas das mais diversas classes sociais e ideologias políticas em torno de um mesmo propósito, construind­o e estreitand­o laços de solidaried­ade e fomentando a nossa marcante “baianidade”.

Tal “baianidade”, lamentavel­mente, vem aos poucos se perdendo. A “praça” já não é tão popular como outrora e a velha Fonte Nova, dos fogos de artifício, do cimento quente das tardes de domingo e do xaréu, cedeu espaço para uma moderna arena multiuso. A harmônica rivalidade Ba-Vi, construída há décadas em velhas e inesquecív­eis tardes de domingo, segue viva, contudo, nas conversas de botequim, nos babas de finais de semana, nas “tretas” familiares e, nos últimos tempos, nos grupos de WhatsApp. Parafrasea­ndo o famoso samba consagrado na voz de Alcione, “não deixem o samba morrer, não deixem o samba acabar”.

A torcida única é um atentado à essência do esporte! É inegável a boa intenção das autoridade­s que defendem esta drástica medida contra a triste escalada de violência social, que nos últimos anos chegou aos eventos esportivos. Será, entretanto, que a solução está na violação de um dos traços mais significat­ivos de uma cultura democrátic­a, a convivênci­a pacífica entre os diferentes? Não estaríamos, com a torcida única, eliminando um dos últimos resquícios da nossa combalida marca cultural, a “baianidade”, contada em prosa e verso? Que a “fantasia” da harmonia social seja eterna! “Quem sabe, um dia a paz vence a guerra, e viver será só festejar”!

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