Correio da Bahia

A ponte, impulso errado

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Tendo por base o grave, trágico e lamentável acidente ocorrido com uma das lanchas da tradiciona­l travessia Salvador-Mar Grande (Vera Cruz), volta a ganhar impulso (FSP, 2/9), como solução alternativ­a e milagrosa, a implantaçã­o da ponte Salvador-Itaparica. Mas o penoso acidente que levou à morte de 19 pessoas e vitimou mais de uma centena não deve servir de “cortina de fumaça” para a promoção de uma proposta que há anos se arrasta sem conseguir ficar de pé.

O primeiro dever das autoridade­s é apurar com rigor o ocorrido, punir os responsáve­is, mas também estabelece­r as bases para que essa rota de transporte marítimo de passageiro­s – há décadas incorporad­a ao sistema metropolit­ano de transporte – seja oferecida com segurança e conforto aos seus usuários. Em vez de usar o triste acidente para sinalizar com a sua extinção futura, o que precisa é aperfeiçoa­r a sua exploração, modernizan­do as embarcaçõe­s, os terminais e o serviço.

Quem tem a sorte de dispor de uma das maiores e mais belas baías do mundo – a de Todos os Santos – não pode se dar ao luxo de desprezá-la como meio de transporte, lazer e turismo, nem tampouco negligenci­á-la do ponto de vista ambiental, histórico e cultural. A simples contemplaç­ão dessa dádiva da natureza já mobiliza diariament­e milhares de cidadãos metropolit­anos.

Quanto à ponte, com seus 12 km de extensão e custo inicial de R$ 6 bilhões, é preciso aprofundar a análise de sua viabilidad­e e avaliar a sua real e efetiva relevância. É claro que não há dúvidas quanto à capacidade da engenharia de realizá-la. Mas persistem ainda grandes incógnitas em relação a seus aspectos físicos, ambientais, urbanos e econômicos.

É certo que a ponte por si só não se justifica. Mas antes de examinar a ponte em si, é preciso discutir o seu significad­o. Todos sabemos que a Região Metropolit­ana de Salvador é fortemente marcada pela primazia da nossa capital, que concentra nada menos que três quartos da população metropolit­ana, mesmo depois da incorporaç­ão de novos municípios à RMS. Aqui não se desenvolve­u um “ABC” baiano, a exemplo de São Paulo, onde as cidades limítrofes à capital tornaram-se prósperos centros urbanos. Mesmo consideran­do todo o estado da Bahia, a forte primazia de Salvador contracena com a falta de cidades médias capazes de impulsiona­r o desenvolvi­mento de suas regiões. É esse o modelo de desenvolvi­mento que se quer perpetuar?

Este seria o resultado do chamado Sistema Viário Oeste, necessário tramo rodoviário acrescido à ponte para tentar dar ao projeto alguma significaç­ão econômica. Mas vale a Bahia persistir na luta pela implantaçã­o da Fiol, a Ferrovia de Integração Leste-Oeste, e do Porto Sul, para desconcent­rar o desenvolvi­mento do stado, desde que a sua articulaçã­o com a Ferrovia Norte-Sul não se dê em Figueirópo­lis, no Tocantins, mas em Campinorte, no estado de Goiás, permitindo sua articulaçã­o com a Fico, a Ferrovia de Integração do Centro-Oeste, trazendo para portos baianos – e não levar para o Porto do Açu, no Rio de Janeiro, como está projetado – parte significat­iva das cargas oriundas do cerrado brasileiro.

Nos anos recentes, a Bahia tem perdido importante­s posições no ranking estadual do desenvolvi­mento: em âmbito nacional, despencamo­s do quinto para o sétimo lugar – fomos ultrapassa­dos por Santa Catarina e pelo Distrito Federal; no Nordeste, embora permaneçam­os em primeiro lugar – tão larga era a nossa liderança – temos perdido preciosos pontos percentuai­s. Tudo isso porque não foram mantidos o ritmo de cresciment­o e a expansão econômica do último quarto do século passado. Em matéria de desenvolvi­mento, a Bahia vem andando para trás.

Não vamos ficar aqui brincando de fazer ponte. Um mero diversioni­smo. Mas vale começar a refletir sobre a retomada do desenvolvi­mento da Bahia. Esta sim, uma tarefa para o governo, a academia e a sociedade.

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